Como ter a disponibilidade criativa e lúdica de um anônimo construtor de castelos de cartas que se submete apenas às injunções do próprio medo (sagrado medo!) de que eles desabem diante dos seus próprios olhos?

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

RETORNANDO



ANESTESIA

Um poema ceifa a dor:
Sequer sinto a amputação
Do dia.


CHEIA

Com dejetos,
Cascalhos do cotidiano,
Segue assoreado
O rio da minha palavra:

E em vão atua o meu espírito
e seu desejo
feito draga.


FOLCLÓRICO

Não aplique mais às nuvens
A imagem de um rebanho
Conduzido por amoroso pastor:

É algum flautista desmedido
Que as escolta para a queda

No abismo.


OCTETO

1

Ele queria saber se ela possuía pontos fracos ocultados pelas palavras. Mordia-lhe os tendões de Aquiles.

2

Suas panturrilhas o fascinavam, era como se ela estivesse continuamente na ponta dos pés sem sapatilhas.

3

Perguntava-se sobre sua alma feminina: seria tão doce quanto suas virilhas?

4

Seus grandes lábios, escondidos por um tênue véu de algodão, pulsavam úmidos com vitalidade animal, em incessante oratória.

5

Não era pouca coisa abrir-lhe a pequena concha do sexo, pronta para ser arrebatada pela espuma de uma onda vinda de longe. Afrodite e sua concha sedenta de espumas.

6

Uma grande mulher com pelos pubianos recendendo à embriagante maresia. Mas o púbis de Afrodite não é qualquer território livre, qualquer varanda aberta...

7

Sua nuca parecia uma ilha secreta onde Eros brincava com Psiquê. Eles deslizam por sua espinha, kundalini-onda marinha, fazendo suas nádegas tremer.

8

Ele se deixava arrebatar por aquela liturgia sensual de palavras rebeladas e sedutoras, toda uma poética inesperadamente construída para se repetir e se repetir a cada ato de se despir.