GARDEN
Uma breve crônica:
O jardineiro cego de um olho parece gostar
Do cultivo sistemático de desabridas flores
Protegidas em estufas à prova de tempo.
E aprecia ainda mais o convívio no limo
Com as extenuadas estátuas do jardim
Que já apresentam artrose na
coluna dorsal.
As duas deVênus Calipígia, por exemplo, se sentam na relva
E exibem as vulvas, o trecho mais tenro de seus mármores.
Em contrapartida os faunos priápicos de bronze
Desaprenderam as filigranas barrocas da arte masturbatória.
Uma novidade:
O novo arquiteto (que detesta o estilo antigo
E num manifesto contra a tradição
Mandou Dédalos enfiar os dez dedos no cu)
Dedica-se fleumático a projetar um labirinto
De cercas vivas
Do qual, se preciso, pulará como um sapo
Para a liberdade.
Uma nota:
A múmia mais antiga do museu de história natural
Foi roubada e vandalizada. Resgatada aos pedaços,
Doaram-na ao jardim. Sem outro uso adequado
Foi moída e peneirada.Tornou-se insigne ração
Para os peixes balofos do pitagórico lago triangular,
Muito elogiável e oportuno,
Pois ambos têm equivalente valor histórico.
CORRESPONDÊNCIA
Suponho que tenhas
O endereço da verdade
Já que lhe envias um memorando
Com o aviso de que ela não existe.
Para todos os efeitos
Basta que a verdade se verifique
Pelo ato de chamar alguém
Se esse alguém responder:
A tua solidão
Não te enganaria
a tal respeito
Por mais que não quiseras crer.
SUBSTITUIÇÃO
Se ao menos a felicidade
Tivesse deixado definitiva cicatriz,
Um valor nítido para a incógnita
Do primeiro termo de
X = + feliz.
Mas essa ausência
Variável,
Para mais ou menos,
Jamais resultará em raiz.