Como ter a disponibilidade criativa e lúdica de um anônimo construtor de castelos de cartas que se submete apenas às injunções do próprio medo (sagrado medo!) de que eles desabem diante dos seus próprios olhos?

segunda-feira, 15 de julho de 2013

DOIS POEMAS



INEXATO

Não há em mim quatro pontos conclusivos
Sobre os quais montar uma abóbada,
Nem duas margens nítidas para unir com pavimento
Pelo qual atravesse qualquer rebanho abstrato
A ser entregue a tempo.
Nem mesmo há qualquer círculo fechado:
Desvia-se de sua origem a linha,
Pois a ponta do compasso
Corre sobre o espelho baço.

Não há também barro curado
Em vasilhame para o destino,
Ou qualquer olhar de pássaro
Que me veja um monumento estático
No centro da praça urbana
Onde tudo passa rápido.

Em mim apenas vige
O projeto de desmonte
Que se conclua na sepultura:
Só ali haverá um marco perfeito,
E lacônico, entre duas datas.

Por tudo isso que me falta
Devo inventar-me certeza invisível
De modo a ser distinto
Do cão que fuça a lata
Ou do gato que no salto mal calculado
Quebra a pata.



ANCORADO

Na praia,
Os olhos entregues
Ao incessante, e por isso imóvel,
Vai-vem.

E os pés lassos:
- Não voltar nem ir além!

Criar raízes de algas
E me cimentar na salsugem.

E ver a maresia,
Que aos meus pulmões alicia,
No próprio sol do é-tarde
Gerar ferrugem.