TIRÂNICO
Neste poema instauro
Um despotismo cosmológico:
Com férreo domínio sobre o sol,
Eu o condeno a brilhar para sempre
Nesta página,
Feito áurea roldana
Que aqui içou o esplendor da iluminura,
E em seguida travou-se como mecanismo.
Assim condeno a noite ao ostracismo
Para além da literatura,
Com boca, olhos e ouvidos selados,
Ato poético de ordinária censura.
À NOITINHA
Já ouço os soluços vindos
Do berço da noite.
Ela começa a chorar.
Teria fome de pesadelos?
Todos juntos poderíamos levar aos seus lábios
Um enorme duto
Pelo qual ela sugararia o oceano
Dos nossos medos.
Talvez ela tenha dores no ventre
Inflado de gases nebulosos e astronômicos
Ou farto da loucura, do mal e da morte
Ainda por digerir.
Teria se mirado no espelho côncavo,
Suspenso móbile,
E descoberto ter ela mesma medo de si?
Choro insuportável. Como aguentamos?
Onde estará a mãe da noite?
Dizem que ela tem apenas um pai
Ausente e operoso
Em trabalho eterno no vão entre a luz e a escuridão.
Pobre noite.
Vamos aceitar o encargo de sermos suas babás?
Balancemos seu berço,
Cada qual toque a parte dele
Que lhe chega à janela,
E afinados sussurremos um acalanto:
Dorme...