TUDO
Caminho na noite
entrante.
O coração embrenhado
projetando
aléias virgens
em terrenos blindados.
Reflito sobre nós,
e o mundo não é mais
do que um fóton
a fugir dos nossos
sonhos:
um fato
não documentado,
uma aporia,
uma palavra sozinha,
um mito pensado.
Ah,
tudo somos nós,
e, um segundo após,
nada mais seria
fossem nossos olhos
alvejados!
SEM DIDÁTICA
Siga em frente.
Nada tenho a ensinar,
senão que a vida é breve
e a arte... Luar.
EMERGÊNCIA CONTÍNUA
Aguardamos o ressuscitamento
por uma ação entre bocas:
palavrear que movimente os pulmões.
RIO-LAGO
Lápis fluvial:
que rios teço?
Que afluentes
sinuosos
nele emendo?
Da borda da folha
o grafite desvia
e retorna:
Faço um lago
espesso.
Monotipia s/ Título - Marcantonio
Outras imagens minhas em Cadernos de Arte
domingo, 29 de agosto de 2010
segunda-feira, 23 de agosto de 2010
Quatro Poemas Esquecidos de seus Títulos
O correra que os jornais não mais impelissem
O mecanismo preguiçoso do dia.
Ele trabalhava por si mesmo como o ciclo das águas.
As TVs passaram a mostrar a paisagem contida
No espaço de um segundo.
Os vizinhos não traziam notícias de outros vizinhos.
Foi queimada em praça pública a palavra ‘providência’.
Após milhões de dias,
Deus enfim descansara
Adormecido entre outros contos fantásticos.
Pela primeira vez no universo
Todas as coisas estavam situadas em si mesmas.
Páginas não possuíam reverso.
O rumor das asas das borboletas
Não provocava nenhuma celeuma:
Seu pouso sobre o miolo das flores
Não tinha mais transcendência.
As entranhas dos animais
Não eram mais reviradas
Em busca do osso do futuro.
Cobriram com sete palmos de terra e sal
O último oráculo obsoleto.
Chegara o momento em que tudo era desejo
De imprevidência
E desdém pelo cálculo.
A poesia afinal se fazia concreta.
*
Da arcada dentária dos livros
As palavras apodrecidas
São extraídas
Com uivos latejantes.
Sob as gengivas cicatrizadas,
Rumorejam os mitos insones
E suas armas fundidas
Com o ferro do sangue.
*
Há esse rio frouxo
Nascendo do degelo dos olhos
Que jamais verão o mar.
Refletem nuvens
Que deslizam sobre o arco
Das sobrancelhas.
*
A manhã, desatracada das horas,
Cruzará o dia
Como um carro desgovernado.
[Faetonte ao volante
e Hélios como um carona de olhos apavorados]
A manhã atravessará a ponte da tarde neutra.
Percorrerá a via da noite, ultrapassando
Os seus semáforos enluarados.
Ofenderá o pudor da madrugada
Com seus faróis de sol importuno,
E se chocará com a manhã seminal de amanhã,
Rebocando-a como luz adicional.
Serão duas manhãs percorrendo outro dia;
E no dia seguinte, três; e depois quatro...
Doravante, todas as horas passarão na luz da manhã.
*
O meu surrealista predileto:
MAX ERNST - Le Soleil
Marcadores:
Serei Poeta?
quarta-feira, 18 de agosto de 2010
QUERO IR PARA LONGE
Quero ir para longe,
Para onde a vida faz a curva
Abrupta,
Onde terra e céu são descosturados.
Neste domicílio me desintegro.
Quero ser eu mesmo o pastor e o rebanho
Em pastos baldios e não loteados.
Vogar por ruas que não me gritem o nome.
Ser argonauta desertado em desmazelo
Com desdém pelo velo dourado:
Jasão jazendo na relva do jardim de Voltaire.
Dirão que enlouqueci.
Dirão que desisti.
Que o digam!
Quero fulgir na alça do primeiro sol sem vocábulos.
Ser o curador da galeria de todas as inutilidades:
Carrinhos sem rodas, livros sem final,
Moedas sem efígie, carimbos sem textura,
Canetas sem cargas, pincéis sem pelos,
Meias puídas, manuais de empobrecimento...
Um sem-fim de coisas abdicadas.
Quero ser um extravio de poeta desusando palavras.
Nem que eu tenha que hospitalizá-las todas,
Quebrar-lhes as pernas,
Entupir suas artérias,
Embaçar seus cristalinos.
E se acaso algumas resistirem,
Com elas adentrarei o burgo,
Quero fazer escambo na feira,
Trocar dúzias de palavras raras, convalescentes
Por um retalho de vida plena.
Mas, quem aceitará?
Como último recurso eu as deixarei nas margens
Da estrada
Que vai me levar para longe, distante daqui.
SEGMENTOS IMPOSSÍVEIS
(TÍTULOS PERDIDOS)
1
A revolta das escápulas.
2
O precursor aposentado.
3
Canteiro sanguíneo.
4
Estradas residuais.
5
O mentor das orquídeas.
6
Espelho-cela
7
Amanhã, amoras.
8
Grua de estrelas.
9
Purê de luzes.
10
O meu fígado não é isca, abutre!
MARCANTONIO - Estudo em lápis aquareláveis - Anos 90
Mais imagens minhas AQUI
Para onde a vida faz a curva
Abrupta,
Onde terra e céu são descosturados.
Neste domicílio me desintegro.
Quero ser eu mesmo o pastor e o rebanho
Em pastos baldios e não loteados.
Vogar por ruas que não me gritem o nome.
Ser argonauta desertado em desmazelo
Com desdém pelo velo dourado:
Jasão jazendo na relva do jardim de Voltaire.
Dirão que enlouqueci.
Dirão que desisti.
Que o digam!
Quero fulgir na alça do primeiro sol sem vocábulos.
Ser o curador da galeria de todas as inutilidades:
Carrinhos sem rodas, livros sem final,
Moedas sem efígie, carimbos sem textura,
Canetas sem cargas, pincéis sem pelos,
Meias puídas, manuais de empobrecimento...
Um sem-fim de coisas abdicadas.
Quero ser um extravio de poeta desusando palavras.
Nem que eu tenha que hospitalizá-las todas,
Quebrar-lhes as pernas,
Entupir suas artérias,
Embaçar seus cristalinos.
E se acaso algumas resistirem,
Com elas adentrarei o burgo,
Quero fazer escambo na feira,
Trocar dúzias de palavras raras, convalescentes
Por um retalho de vida plena.
Mas, quem aceitará?
Como último recurso eu as deixarei nas margens
Da estrada
Que vai me levar para longe, distante daqui.
SEGMENTOS IMPOSSÍVEIS
(TÍTULOS PERDIDOS)
1
A revolta das escápulas.
2
O precursor aposentado.
3
Canteiro sanguíneo.
4
Estradas residuais.
5
O mentor das orquídeas.
6
Espelho-cela
7
Amanhã, amoras.
8
Grua de estrelas.
9
Purê de luzes.
10
O meu fígado não é isca, abutre!
MARCANTONIO - Estudo em lápis aquareláveis - Anos 90
Mais imagens minhas AQUI
Marcadores:
Serei Poeta?
sexta-feira, 13 de agosto de 2010
Quatro Poemas em Dias de Corpo e Alma Gripados
INÓCUO
Se o poema pudesse curar-te
O meu horizonte poético
Seria feito de prateleiras de farmácia;
Meu intento: alquimia orgânica
Nas fontes genéticas.
Mas, o verso não tem ação
Farmacocinética,
Quando muito, emplastos com sabiás
Embutidos
Retirados das ramas da palmeira poética
Falta de sentido.
Desta botica esclerosada e inócua
Eu me evaporo dos frascos sem tampa
No ar consumido.
Bode expiatório exilado
Meu poema não se cura
Da procura do passado.
Cura de aldeia aposentado,
Ocupado com uma colônia
De larvas para passarinhos,
Com o placebo das palavras
Eu me enveneno sozinho.
DA PACIÊNCIA
Tudo o que encaro
Esfria e se cristaliza
Em calcária paralisia.
Olhar de górgona,
Espero sem pressa
O porvir que se move
Rumo ao presente
Que presumo eternidade.
Até que perca a cabeça
Mirando a mim mesmo
No escudo polido
Da precariedade.
O MURO
Parece que busco
um renascimento;
mas,
o tempo contraceptivo
me acumula sobre mim:
tijolos tijolos
tijolos tijolos
tijolos tijolos
tijolos tijolos
tijolos idênticos
de um mesmo muro.
LICENÇA
Quando digo que estou perdido
Não me acreditam.
Sem gerenciar-me,
Sem administração,
Sob antiga ou nova direção,
Sem estratégia de venda, enfim.
Não é licença poética,
É licença de mim.
PICASSO, Ciência e Caridade , óleo s/ tela - 1897
* Também postei hoje no Mínimo Ajuste
Se o poema pudesse curar-te
O meu horizonte poético
Seria feito de prateleiras de farmácia;
Meu intento: alquimia orgânica
Nas fontes genéticas.
Mas, o verso não tem ação
Farmacocinética,
Quando muito, emplastos com sabiás
Embutidos
Retirados das ramas da palmeira poética
Falta de sentido.
Desta botica esclerosada e inócua
Eu me evaporo dos frascos sem tampa
No ar consumido.
Bode expiatório exilado
Meu poema não se cura
Da procura do passado.
Cura de aldeia aposentado,
Ocupado com uma colônia
De larvas para passarinhos,
Com o placebo das palavras
Eu me enveneno sozinho.
DA PACIÊNCIA
Tudo o que encaro
Esfria e se cristaliza
Em calcária paralisia.
Olhar de górgona,
Espero sem pressa
O porvir que se move
Rumo ao presente
Que presumo eternidade.
Até que perca a cabeça
Mirando a mim mesmo
No escudo polido
Da precariedade.
O MURO
Parece que busco
um renascimento;
mas,
o tempo contraceptivo
me acumula sobre mim:
tijolos tijolos
tijolos tijolos
tijolos tijolos
tijolos tijolos
tijolos idênticos
de um mesmo muro.
LICENÇA
Quando digo que estou perdido
Não me acreditam.
Sem gerenciar-me,
Sem administração,
Sob antiga ou nova direção,
Sem estratégia de venda, enfim.
Não é licença poética,
É licença de mim.
PICASSO, Ciência e Caridade , óleo s/ tela - 1897
* Também postei hoje no Mínimo Ajuste
Marcadores:
Serei Poeta?
segunda-feira, 9 de agosto de 2010
Poemas dos Primeiros Dias de Agosto
RUÍNAS
Na teia (encruzilhadas
de vagos vapores)
nenhuma aranha.
Jamais vi uma aranha em sua própria teia,
como se esta fosse uma relíquia,
um templo
como o Partenon;
uma ruína
como o Palácio de Cnossos.
Jamais vi um grego
em um templo grego,
como se este fosse uma abstração,
uma maquete ilusionista,
um esqueleto
atravessado pela luz,
ou um poema sólido.
Jamais vi um poeta em seu poema,
como se este fosse obra do tempo,
um fóssil,
um fragmento pitagórico
ou uma lápide.
Jamais vi um corpo sob uma lápide,
tal como uma aranha em sua teia,
como um grego em seu templo,
como um poeta em seu poema.
DOIS HAIKAIS
Muito impertinente
Adentra o vento curioso:
Folheando o livro.
2
Inseto ínfimo
Atravessa destemido
A palma da mão.
NOME
Se eu pudesse nomear esta nostalgia
Ela adormeceria na neutralidade
De flor colhida.
Mas a nostalgia é não poder convocar o nome
Antes do seu parto.
MANTRA
[Experimente este:]
O mar ameaça.
O mar recua.
O mar ameaaaça.
O mar recuuuaa.
O mar ameaaaaçaaa
(...)
Monotipia s/ título - Marcantonio
Outras imagens minhas em Cadernos de Arte
Na teia (encruzilhadas
de vagos vapores)
nenhuma aranha.
Jamais vi uma aranha em sua própria teia,
como se esta fosse uma relíquia,
um templo
como o Partenon;
uma ruína
como o Palácio de Cnossos.
Jamais vi um grego
em um templo grego,
como se este fosse uma abstração,
uma maquete ilusionista,
um esqueleto
atravessado pela luz,
ou um poema sólido.
Jamais vi um poeta em seu poema,
como se este fosse obra do tempo,
um fóssil,
um fragmento pitagórico
ou uma lápide.
Jamais vi um corpo sob uma lápide,
tal como uma aranha em sua teia,
como um grego em seu templo,
como um poeta em seu poema.
DOIS HAIKAIS
Muito impertinente
Adentra o vento curioso:
Folheando o livro.
2
Inseto ínfimo
Atravessa destemido
A palma da mão.
NOME
Se eu pudesse nomear esta nostalgia
Ela adormeceria na neutralidade
De flor colhida.
Mas a nostalgia é não poder convocar o nome
Antes do seu parto.
MANTRA
[Experimente este:]
O mar ameaça.
O mar recua.
O mar ameaaaça.
O mar recuuuaa.
O mar ameaaaaçaaa
(...)
Monotipia s/ título - Marcantonio
Outras imagens minhas em Cadernos de Arte
Marcadores:
Serei Poeta?
domingo, 1 de agosto de 2010
BANG!
BANG!
Este verso inicial
esse est percipi
esse hábito sem monge
esse mapa sem linhas
esses monóculos irmanados
essa visão convertida
esse órgão orgíaco
essas esparsas partidas
esse poema maníaco
essa rima endêmica
essa folha anêmica
esse só dissolvido
esse pó apodrecendo
esse mar segmentado
essa lírica feira
essa vírgula ligeira
esse ponto artífice
essa língua de enganos
esses cúmulos na boca
esse mundo entre coxas
essa porta sob o púbis
esse focinho de Anúbis
esses páramos para o nunca
esse ânus de anis
essas floras fortificadas
essas pálpebras palmilhadas
esses seios insones
esses cabelos ciclones
essa fruta indefesa
essas maçãs zigomáticas
esses zaratustras calados
esse édipos com binóculos
e essas esfinges distantes
essa cabeça em capítulos
essas ações em fascículos
esse Hegel silabado
esse divisor de mágoas
esses rins derrisórios
esses olhos calóricos
esse sujo sujeito
esse vogar de aliterações
esses veios abstratos
essa canção sem vértebras
essa dialética sem vértices
essas ágoras fechadas
esses verbos sem hélices
essas estátuas atualizadas
essas fezes cristãs
esse orbe mictório
esse particípio permanecendo
esse selo adiado
esse zelo encadeado
esses dentes descarrilados
esse pente sem paralelas
esse visgo em pronomes
essa vigas sob os nomes
esses netunos de aquário
esses ulisses divorciados
esses prometeus suturados
e seus abutres amestrados
esses piolhos fotogênicos
esse som essa fúria de astúcias
essas furnas de vaidades
essas taças afastadas
esse epicuro epicentro
esses trincos combalidos
esses profetas protéticos
essa profissão de fel
esse pólen sem sol
esses pólos sem marcos
essa régua no olhar
essa maré de janelas
essas esporas dos mitos
essas chaves sem voltas
essas lápides de estrelas
essas telas estelas
esses penteus autopsiados
esses blakes blindados
essa maiêutica hiperestésica
essas crenças anestésicas
esses narizes de ciranos
e suas roxanes iletradas
esses livros em vocalise
essa tocaia e fuga em ré
esses hipocampos selados
essas risadas grisalhas
esse varal de vespas
esse sarau das bestas
essa lama seca entre os astros
esse hermeneuta e seus cascos
essas absides sem pescoço
esse baralho cartesiano
essa dânae dos bancos
esses corvos abúlicos
essas luas em conserva
esses campos escalpelados
esses choque térmico das esferas
esses cabides de esperas
esses faetontes urbanos
esse cemitério de esboços
essas cimitarras verbais
essas odes abortadas
esses ódios em gavetas
essas enguias turísticas
essa folia arrivista
essas parábolas arquivadas
esse remorsos dos cataclismos
esse vômito dos canais
esse esgoto de digitais
essas franquias de córtex
essas ampolas de dúvidas
esse apóstrofo entre os dias
essas reticências sublevadas
essas traças no cabeçalho
esses vórtices de tédios
esse pensamento hemiplégico
esse rocio nas mãos
esse rodízio de inércias
esse eco de auroras
esse apego das células
esse diário dos danos
esses restos de Orfeu
essa lira desdentada
esses trem de pronomes
essa ânsia de final
essa paralalia
essa estação provisória
este verso terminal.
Marcantonio - Estudo em óleo
Outras imagens minhas AQUI
Marcadores:
Serei Poeta?
terça-feira, 27 de julho de 2010
Um ENTRE SÍTIOS e Outros Poemas
ENTRE SÍTIOS (10)
(Para Zélia Guardiano e seu Ad litteram)
Uma onda de humanismo
Espraia-se,
Não aos pés,
Mas sobre o corpo inteiro
Da LETRA.
APARENTEMENTE
Estou estendido no meu cotidiano
Como um faquir sobre uma cama
De pregos.
Os outros se iludem a respeito
Dos meus próprios riscos.
CORTANDO DA PRÓPRIA CARNE
Se fogem da paisagem as estradas,
A uniformidade torna a busca impossível.
Um suspiro desiste de exalar-se
Arraigando-se nas câmaras pulmonares
De onde pressiona o coração precipitado.
E os olhos
(apavorados com a própria obsolescência)
Tornam-se autográficos,
Consumindo a reserva de delírios
Situada por detrás das retinas.
SEM TÍTULO
Eu pretendia
dizer-te algo
que ninguém
jamais disse.
Mas não seria
precisamente
nada dizendo
que o não dito
eu te diria?
Assim,
se eu ombrear o meu silêncio
com o teu silêncio,
aguarda, de olhos postos em mim,
as mãos pendidas,
o peito desarvorado,
até que o pronome eu
entre nós se faça invisível.
Terá nos dito algo, o amor
que a palavra tornara
intraduzível.
EM DÚVIDA PROVERBIAL
A
Quem chora primeiro chora melhor?
B
De grão em grão o homem preenche os fatos:
{a b c d e f g h i j k l m n o... O 1 2 3 4 5 6 7 8 9}
C
Os últimos e os primeiros ocuparão
A mesma (trans)posição.
Marcadores:
Serei Poeta?
quinta-feira, 22 de julho de 2010
Três Poemas: Moscas, Medições e Inventando.
MOSCAS
Agora me incomodam as palavras
Como moscas expedicionárias
Emitindo
Ultimatos vagos, mas repetidos.
No seu vôo (de geometria arbitrária)
Por desígnio obscuro conduzido,
Montam e desmontam constelações
Com a presteza de um curto zumbido.
E se nelas me concentro, inconstantes
Fogem por diferentes direções.
Na pele deixam aceso um prurido.
Meu lento olhar se eleva e, oscilante,
Procura seus rastros despercebidos
Na atmosfera transitiva e densa.
Quieto, espero o pouso pressentido,
E no descansar das asas semânticas
A unidade breve de um sentido.
MEDIÇÕES
Eu não uso relógios
Para contar esse tempo que detesto.
Através do não-tempo me testo
Ontem, ilógico.
Nada de escalas
Para medir a distância até onde não estou.
Em mim a não-distância perdurou
Hoje, vasta.
E não uso telescópio
Para aproximar as visões que não tenho.
Através das não-visões me empenho
Amanhã, ócio.
Marcantonio, Palimpsesto: Le Culte des Ancêtres
Técnica Mista, 2004
Outras imagens minhas AQUI
Agora me incomodam as palavras
Como moscas expedicionárias
Emitindo
Ultimatos vagos, mas repetidos.
No seu vôo (de geometria arbitrária)
Por desígnio obscuro conduzido,
Montam e desmontam constelações
Com a presteza de um curto zumbido.
E se nelas me concentro, inconstantes
Fogem por diferentes direções.
Na pele deixam aceso um prurido.
Meu lento olhar se eleva e, oscilante,
Procura seus rastros despercebidos
Na atmosfera transitiva e densa.
Quieto, espero o pouso pressentido,
E no descansar das asas semânticas
A unidade breve de um sentido.
MEDIÇÕES
Eu não uso relógios
Para contar esse tempo que detesto.
Através do não-tempo me testo
Ontem, ilógico.
Nada de escalas
Para medir a distância até onde não estou.
Em mim a não-distância perdurou
Hoje, vasta.
E não uso telescópio
Para aproximar as visões que não tenho.
Através das não-visões me empenho
Amanhã, ócio.
INVENTANDO
E
m
p
é
escrevo um poema
de ponta-cabeça
como se eu fora árvore
e fosse ele o vento
preenchendo
os espaços
entre os galhos
e as folhas.
As raízes não são ventiladas.
Marcantonio, Palimpsesto: Le Culte des Ancêtres
Técnica Mista, 2004
Outras imagens minhas AQUI
Marcadores:
Serei Poeta?
Tentativa de Vitalizar Três Metáforas Gastas
Primeiro, as nuvens; o fato de que passam silenciosas após sugerirem imagens dissolventes. A metamorfose contínua e o desaparecimento.
Em seguida a dança, ideal metáfora da vida. A música: os fatos do mundo, as circunstâncias mutáveis ou não. O dançarino é o sujeito que se expressa a partir da música e não através dela. O sujeito escolhe o gesto, entre os muitos possíveis, que possa reger a música: isto ou aquilo. Dançar na música, ser maleável, porém, único e expressivo.
Terceiro, o ato de desbastar, tirar de si, lançar fora o excesso como um escultor que busca uma imagem leve refletida na matéria bruta e pesada. Não a modelagem por acréscimo, mas o corte daquilo que obstrui a irrigação da pedra pela luz. Sobretudo para lançar fora toda convenção inútil e nodosa que asfixia os pulmões da pessoalidade.
Marcadores:
Diário das Perplexidades
sábado, 17 de julho de 2010
A EXONERAÇÃO DO PÁSSARO e mais Dois Poemas.
ENTRE SÍTIOS (9)
(Para Dado Pedreira e seu
Alguma Poesia)
Acordado e ainda incrédulo,
o poeta mira a poesia una
que desvaria na palavra sonho.
Mas a árvore logo adormece,
célula amarela na folha seca,
e uma pluma pousa
no ombro do poeta
para recompor um pássaro.
A PALAVRA FIXADA.
A solarização
Saturada do papel
Ocultou a palavra.
Fecho a janela,
Franzindo os olhos,
Para revelá-la.
É tarde.
Fixou-se
Em desnaturada
Solidão
De fera
Ou deusa.
A EXONERAÇÃO DO PÁSSARO
Pássaro, pássaro
nunca mais te farei
voar
como metáfora;
nem te abrirei
os braços
do poema
como galhos
para pousares
em canto,
pois no meu poema
só há desencanto
que o silêncio
vai comprimindo.
Eu te espanto
de todos os meus
poemas,
pássaro!
Não te abrirei ali
janelas
com parapeitos
feitos de sol:
as aberturas do meu poema
voltam-se para a noite
arredia
e desenluarada.
A incidência do teu vôo
nesses céus
não seria contrastada.
Pássaro,
vai-te daqui
com todas as outras
asas!
E as de anjos,
de borboletas,
libélulas,
de cavalos alados.
Vai-te com todos os insetos
preclaros,
com todo o zunido do dia!
Vai pássaro,
eu te solto
ao largo
do poema,
essa gaiola sem vagas,
esse jardim de antúrios
frios.
Eu te demito
das tuas obrigações poéticas
por saber, enfim,
que a liberdade
também é bruta carga
para as tuas frágeis asas,
e não és Atlas itinerante!
Pois tu, pássaro,
assim como o poeta,
te encarceras nos limites do dia
que, mesmo aéreo,
não é senão
pouso
forçado.
Miró - Personagem Atirando uma Pedra em um Pássaro
(Para Dado Pedreira e seu
Alguma Poesia)
Acordado e ainda incrédulo,
o poeta mira a poesia una
que desvaria na palavra sonho.
Mas a árvore logo adormece,
célula amarela na folha seca,
e uma pluma pousa
no ombro do poeta
para recompor um pássaro.
A PALAVRA FIXADA.
A solarização
Saturada do papel
Ocultou a palavra.
Fecho a janela,
Franzindo os olhos,
Para revelá-la.
É tarde.
Fixou-se
Em desnaturada
Solidão
De fera
Ou deusa.
A EXONERAÇÃO DO PÁSSARO
Pássaro, pássaro
nunca mais te farei
voar
como metáfora;
nem te abrirei
os braços
do poema
como galhos
para pousares
em canto,
pois no meu poema
só há desencanto
que o silêncio
vai comprimindo.
Eu te espanto
de todos os meus
poemas,
pássaro!
Não te abrirei ali
janelas
com parapeitos
feitos de sol:
as aberturas do meu poema
voltam-se para a noite
arredia
e desenluarada.
A incidência do teu vôo
nesses céus
não seria contrastada.
Pássaro,
vai-te daqui
com todas as outras
asas!
E as de anjos,
de borboletas,
libélulas,
de cavalos alados.
Vai-te com todos os insetos
preclaros,
com todo o zunido do dia!
Vai pássaro,
eu te solto
ao largo
do poema,
essa gaiola sem vagas,
esse jardim de antúrios
frios.
Eu te demito
das tuas obrigações poéticas
por saber, enfim,
que a liberdade
também é bruta carga
para as tuas frágeis asas,
e não és Atlas itinerante!
Pois tu, pássaro,
assim como o poeta,
te encarceras nos limites do dia
que, mesmo aéreo,
não é senão
pouso
forçado.
Miró - Personagem Atirando uma Pedra em um Pássaro
Marcadores:
Serei Poeta?
segunda-feira, 12 de julho de 2010
Um ENTRE SÍTIOS e mais Seis Poemas
ENTRE SÍTIOS (8)
(Para Lara Amaral e seu Teatro da Vida)
Num teatro de arena
Livre e experimental ,
Sem rígida marcação
A vida ocupa a cena.
Cenário vivo:
Entre o passado e o futuro, um vão
Onde flutua surpreendente o poema.
Descrição:
As palavras procuram seus personagens.
E a poesia confere unidade à ação.
No entreato multiplica-se a idéia:
Quando o elenco se entremeia à platéia.
SERVIDÃO
Sou escravo da trivialidade circundante,
E presto meu serviço a tudo que me sitia,
Mas lamento existir;
A tudo em que consisto
E que me faz consentir;
A tudo que não existe,
Mas sonho pressentir.
E cada poema meu não é senão o anseio
De um lapso no sistema dessas coisas,
Um rapto de seus nomes costumeiros,
Um concílio de rebeldes no meu cérebro,
Que elogiam a embriaguez da revolta
Em meio à precaução do cativeiro.
POLARIDADE
Eu decidi não parar:
Larva me faço
De raio solar.
Eu decidi me exilar:
Larva, me esqueço
Em solo lunar.
MANIFESTO BREVE
Não farei um poema
Rosnado em grunhidos.
Não sou cão de guarda
Ou anjo ressentido.
CONTRAMANIFESTO BREVE
Cuidado com o poema!
Rex tremendae.
ULTIMATUM
Dizem:
Ou você cria
Ou nada!
FALHAM AS PALAVRAS
(Para Rita, minha mulher)
No céu dos teus olhos incendidos,
Parelha de auroras persistentes,
O meu dia renasce outro dia
Em centenas de vezes ao dia.
É tanto que te devo de vida
Pelas perdas de mim que sustaste
Com suturas urgentes de amor,
Que me fizeste crer piamente
Que todo poema é vão clamor;
Que toda palavra é fugitiva.
Quando me dispus a persegui-las
Foi para depositá-las vivas
Em qualquer lacuna do teu peito.
Mas, que lacuna pudera haver
Se em tua serena humanidade
É inteiro que me entranho e me ajeito?
Sobram essas palavras imbeles,
E falhas como ornatos opacos,
Sobre a lucidez da tua pele.
Paul Klee, Villa R , óleo s/ tela (1929)
Marcadores:
Serei Poeta?
terça-feira, 6 de julho de 2010
Dois Novos Poemas
PALAVRA OUTRA
No papel a palavra não é aquela
Em saliva quente engrolada
E que eu mascava, triturava
Com meus molares anoitecidos;
Ou que se agarrava, pudica,
Às minhas gengivas.
Não era ali grafada, a palavra mesma
Que não viera do estômago revolto,
Que não fugira dos pulmões doutos de ar,
Que não vazara das veias permeáveis;
Vinda de um íntimo devoluto
Que, afinal, não era lugar algum
De reconhecida propriedade.
De onde viera tal palavra, então,
Para ser outra nos campos de escrita?
Nem alada viera, nem brotara de veio,
Nem irrompera em sangue de ferida
Ou em poros de lavoura.
Essa palavra chega ao papel gelada,
Depois de correr por uma serpentina
Que me atravessa tendo seus extremos
Imersos no mundo?
Essa palavra tem, no papel, semblante
De ostra deflorada a canivete,
Sem mistérios de águas salobras
De lama, de crostas lavradas no tempo.
Chega ao papel como um veleiro à marina,
Que com velas arriadas parece ali arraigado.
Essa palavra, se no papel se imobiliza,
É tatuagem plana de inseto sem ventre;
Hipnose de serpente cordata, sem presas;
Ou estrela negra arrimada em carta celeste.
TRAÇOS
Olhos
Com lírios.
Na pele
Apelos
Rentes.
Na face
Posfácios
Rubros.
Na boca
Os antecedentes.
A Inútil Presa - Marcantonio - Técnica Mista
Marcadores:
Serei Poeta?
segunda-feira, 5 de julho de 2010
Uma Alegria
Um diálogo que me deu uma súbita alegria : Laura Alberto, do blog Im.Possibilidade, utilizou duas imagens minhas associadas a dois textos seus. A sensação é muito boa, sobretudo porque a escrita dela possui uma atmosfera absolutamente própria, simbólica, que, digamos, sugere uma releitura indireta das imagens que lhe são associadas de maneira não óbvia nem meramente ilustrativa. Sinto-me honrado de ter imagens num espaço que trata a relação imagem/texto de modo tão elegante e sugestivo. E só posso agradecer a ela.
Afora isso, ressalte-se a qualidade de seu texto: seus poemas me impressionam por multifacetados que são, densos, fortes, aqui e ali atravessados por imagens de teor surrealista que destemperam o tom confessional.
Chamo atenção para o poema MANIFESTO VIII - Corcunda, realmente admirável, cujo tom elevado, ergue, por vizinhança, as possibilidades da minha imagem.
Marcadores:
Nós e os Outros,
Olhar: Artes Visuais,
Poemas que Admiro
quarta-feira, 30 de junho de 2010
Poemas de Final de Junho
ENTRE SÍTIOS (7)
(Para Bípede Falante)
Bípide, posto que da espécie
humana sapiens.
Mas, artrópode pela escrita
que em rede de si estende
para a captura dos sentidos
desavisados.
Aracne desiste da disputa.
Athena se retira.
E a teia,
ao sol,
brilha
revestida de orvalho.
SETE HAIKAIS (NA PAISAGEM)
a
Árvores urbanas.
O sol sobre espesso muro.
Pássaro banal.
b
Vento em desconcerto
dedilha fios elétricos.
As nuvens já dançam.
c
Perpendicular
a chuva de pontos frios.
Inunda-se o plano.
d
Janela vazia.
Paisagem suprematista.
Branco sobre branco.
e
Úmido papel.
Pincel amarrado à cor,
correndo liberta-se.
f
Tarde desbotada.
A pele da fruta em chamas:
interino sol.
g
O dia desmaiou.
Ócio das alavancas.
O poema acorda.
DESALENTO (check out)
Agora não me vem
A palavra final
Que passe o troco às sensações.
Sem Título - Marcantonio - Óleo sobre tela - 1997
Mais imagens minhas em Cadernos de Arte
(Para Bípede Falante)
Bípide, posto que da espécie
humana sapiens.
Mas, artrópode pela escrita
que em rede de si estende
para a captura dos sentidos
desavisados.
Aracne desiste da disputa.
Athena se retira.
E a teia,
ao sol,
brilha
revestida de orvalho.
SETE HAIKAIS (NA PAISAGEM)
a
Árvores urbanas.
O sol sobre espesso muro.
Pássaro banal.
b
Vento em desconcerto
dedilha fios elétricos.
As nuvens já dançam.
c
Perpendicular
a chuva de pontos frios.
Inunda-se o plano.
d
Janela vazia.
Paisagem suprematista.
Branco sobre branco.
e
Úmido papel.
Pincel amarrado à cor,
correndo liberta-se.
f
Tarde desbotada.
A pele da fruta em chamas:
interino sol.
g
O dia desmaiou.
Ócio das alavancas.
O poema acorda.
DESALENTO (check out)
Agora não me vem
A palavra final
Que passe o troco às sensações.
Sem Título - Marcantonio - Óleo sobre tela - 1997
Mais imagens minhas em Cadernos de Arte
Marcadores:
Serei Poeta?
domingo, 27 de junho de 2010
Entre Sítios e mais Dois Poemas
ENTRE SÍTIOS (6)
(Para Jorge Pimenta e seu
Viagens de Luz e Sombras)
O fogo já fora ateado
Na árvore do dia.
Não haveria mais
A sua neutra sombra.
Apenas assombro.
INTERDITADO
Olha,
a sorte ressuscita,
a desdita,
ao que parece,
também fenece;
e de se contrapor
à dor
esquece-se a prece,
agora abreviada
em verso belo,
monóstico,
osmótico
à vida paralelo.
Deixe estar.
Neste ponto banal (.)
(½ trema caído)
a rima extrema,
final.
Tornemo-nos mais abstratos
em abstrata arritmia
(aqui a tentação da rima ‘poesia’).
Sai pra lá, velha rima
que à vida não arrima!
Ai deus! De novo
esse ovo (oh!) de serpente
em omelete!
Não!
Aqui o pássaro se arremete
(porra! sai rima
tu mesma que já rimaste
mais acima; tu mesma,
a própria rima metalingüística
em provação artística).
Isso não tem fim!
Chega!
Pelo esforço
a rima aqui jazerá
sob o branco do papel.
Mas, voltemos ao pássaro
que se arremete ao céu
(não! não! não!).
Onde está a merda do pássaro
que se arremetia ao...? Ah!
- Te peguei!
Deixei de rimar!
(Ora, mas isso ainda rima com ‘ah!’)
É um caso perdido!
Retorno ao pássaro arremetido
para fecundar a metáfora
que o avião desdenha,
e falar in abstracto
das horas sem seus suportes:
o Agora, o Aqui e os Fatos.
Parece que não consegui
dizê-lo de modo não rimado.
Danem-se o dito e a desdita,
a rima
e o verso interditado!
RECEIO
O que farei ao perceber
Que minha canção resvala
E tece sem ardor?
Que o cérebro redundante
Já se iguala
A um rebocador?
Se o coração se fizer mediano
E se equalizar
Em linha de equador?
Monotipia s/ título - Marcantonio
Outras imagens minhas em Cadernos de Arte
Marcadores:
Serei Poeta?
Assinar:
Postagens (Atom)