ÁREA ISOLADA
Nesse poema vazio de mim
As palavras entram como minérios
Restituídos à terra,
Ou pedras aparelhadas em muralhas
Que não posso galgar.
Não há nesse poema nada de orgânico,
Sequer o sobrevoo de teus olhos
amados,
Nem as lembranças de nossos filhos,
Nem os sons ocos da infância,
Nem os chamados aflitos de minha
mãe,
Nenhum indício de todos os poemas
Que cometi ou deixei suspensos sobre
as horas;
Nenhuma gota desta chuva
Que tão plena de figuras jorra ao
meu redor,
Nenhum raio do sol de ontem
Que me dava a companhia de uma
sombra.
Não se encontra nesse poema
Qualquer notícia trágica ou cômica
Sobre o meu amanhã.
Nem mesmo a meu falecido pai, que
bate à porta,
É permitida a entrada:
- Não é nada pessoal, meu pai, esse
poema
Está vazio de todos nós,
É ocupado apenas por cento e
quarenta e seis palavras.
INVENTÁRIO
Não me permito mais
as seguintes imagens:
anjos, pássaros, ondas,
flores, linho, nuvens,
lágrimas, sorrisos, sangue,
coração, borboletas, montanhas,
horizonte, vento, orvalho,
árvore, estrelas, lua, sol...
Pensando bem, é longo o rol.
Serão bem-vindas:
oxidação,
hóstias mofadas,
galhos ressequidos,
fotografias em sépia,
jaulas, garras,
sal,
cal,
ferro retorcido,
carne, vulva,
unhas, ervas mesquinhas,
pão, serra, pregos,
eletricidade, meio-fio,
vértebras,
sapato sem par,
praia remota,
o boi de Rembrandt,
o bode (cabra?) de Chagall,
veias, areia monazítica,
um filtro solar sobre o próprio
sol...
Pensando bem, é imenso o rol...
COR MENTAL
Uma cor se expande sobre outra
Na permeabilidade da
fala,
Mas não tão velozmente como
Quando são apenas pensadas
Na ausência de superfícies:
Auréolas impermanentes, ralas.
O CONHECIDO
Chega o momento,
Não sei se natural
Ou propiciado pelo teu arbítrio,
Em que nada é surpreendente.
E mesmo que vejas coisa inusitada,
Ela logo terá formal identidade
Por efeito de alguma remota analogia.
Pois tu já terás preenchido
Teu conceitual álbum de figurinhas,
Somente revisões
E a sobra das trocas
Preencherão as importunas entrelinhas.