Como ter a disponibilidade criativa e lúdica de um anônimo construtor de castelos de cartas que se submete apenas às injunções do próprio medo (sagrado medo!) de que eles desabem diante dos seus próprios olhos?

domingo, 18 de abril de 2010

Sob as Raízes dos Meus Cabelos

Ouvia as gotas frias
da torneira defeituosa
como vocativos lúcidos.

De resto, era um silêncio
em arcada flácida
sobre a sala vazia.

Eu ensaiava posturas de sombras
nas paredes que pareciam recuar
sobre trilhos fluidos.

Pensei que fosse a vertigem final
surgida assim, estúpida, simplificada,
de dentro de mim.

Mas não era. E permaneci
no centro eqüidistante
aos meus quatro cantos.

Então, meus pés dançavam,
em espasmos sobre o chão já oblíquo,
alheios ao meu tronco rígido.

Quis expulsar o silêncio,
já enraizado na minha laringe
com um grito, um uivo, um vômito seco!

Em vão.

Devo permanecer sob as raízes dos meus cabelos.
Devo esquecer  os meus sapatos cosmopolitas.
Colar o selos no íntimo dos envelopes.
Devo edulcorar os meus símbolos irascíveis.
E polir a prataria da memória com os forros dos meus bolsos.

Nasce o dia agora
(ou nunca, ao menos o esperado)
e ainda me vejo aqui
conforme a luz fraca da manhã
revela as ninharias
do meu degredo farsesco.

Meus olhos, ainda límpidos,
descarnam de vez o sono.

















Monotipia s/ título - Marcantonio

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