Como ter a disponibilidade criativa e lúdica de um anônimo construtor de castelos de cartas que se submete apenas às injunções do próprio medo (sagrado medo!) de que eles desabem diante dos seus próprios olhos?

sábado, 16 de julho de 2011

Um Poema

ANIMAÇÕES

O que não se cansa?
Acaso a flor sente fadiga
De anunciar o advento
De uma cor que é dividida?
Fica exausto o córrego
De atritar suas vértebras
Contra as pedras?
E o mar? Sonha se opor ao vento
E fazer-se inerte dentro do abismo?
E esse ciclo das águas não quer cessar?
Não cansam as águas da metamorfose
Que as exila no céu?
E ali tornadas nuvens
Não enjoam de passar por anjos que quedam?

2

Aquela árvore parece um pêndulo de ponta-cabeça.
Um berço inarredável que balança.
Um rito obsessivo de acalanto mínimo,
Berceuse quase sem esperança.
As raízes tolas tremem temendo o vôo suicida,
Mas o tronco sabe que permanecerá de pé
Sob as veleidades da copa: por que cria ela
Vértices ilusórios em seus galhos?
Não cansa de implorar?

3

Ainda há o lago estável e desesperado,
Anti-Tântalo afogado que sonha com a secura
De não ter que sustentar o reflexo do cenário.

4

O edifício se envergonha de seu destino
De ponte inacabada, de pilar fracassado?
Céu o seu capitel...

5

As ruas não se cansam de suas visões interrompidas?
De não ver o destino que vira a esquina?

6

Portões se abrem e se fecham.
Não estão exaustos de serem páginas nunca viradas?

7

O jogo. A mesa de bilhar.
As esferas sonham naufragar nas caçapas.
A bola vencedora se regozija da sua solidão?
Não se cansa?


9 comentários:

  1. É embriaguês do olhar isso aí, cada construção dessa é uma pérola tirada em plena contração da ostra, são imagens originalíssimas, o que acontece por dentro quando a gente te ler é um desalinho, sai tudo do lugar, uma nova, e sempre efêmera, ordem se instala. Booommm de mais!
    Beijos,

    ResponderExcluir
  2. Poetíssimo!

    Eu não me canso de ler seus poemas, muito menos de apreciar seu bom gosto musical. As coisas nunca cansam, quando apropriadas ao cenário, à beleza etc... Espero que sua pena nunca canse de escrever e pintar.

    Bravo!

    Mirze

    ResponderExcluir
  3. é terrível essa desolação de ser, de cumprir propósitos para existir e não se dar em conta,

    abraço

    ResponderExcluir
  4. "Todas as madrugadas são a madrugada da vida."

    "Passagem das Horas", Álvaro de Campos.

    ResponderExcluir
  5. Marco, meu cansaço fez ler no verso do Álvaro de Campos vários cansaços, de forma que desvirtuei o poema. O correto é:

    "Todas as madrugadas são a madrugada e a vida.
    Todas as auroras raiam no mesmo lugar:
    Infinito..."

    A diferença é sutil, mas não poderia deixar de retificar. Abraço.

    ResponderExcluir
  6. Olá, MarcAntonio!
    O amigo Ribeiro Pedreira me indicou seu blog para visitar e estou extasiada com as belas poesias que aqui li.
    Acabei de lançar um novo projeto pela blogosfera e se quiser participar, gostaria muitíssimo de ler alguma de suas poesias por lá.
    Venha me visitar, aguardo-o.
    abraço carioca

    ResponderExcluir
  7. Até o cansaço cansa.
    Há que continuar cumprindo-se o propósito de existir.

    Só não cansa ler-te.
    bj
    Rossana

    ResponderExcluir
  8. O que não se cansa é este poema de abrir brechas, exibindo cenas inenarráveis em nossa mente. Muito boa sua construção poética.

    ResponderExcluir
  9. Olá Descobri seu espaço através da Beth que hoje declama uma se suas poesias.
    Gosto de poesias e o parabenizo por sua sensibilidade.
    Abços,

    ResponderExcluir