Como ter a disponibilidade criativa e lúdica de um anônimo construtor de castelos de cartas que se submete apenas às injunções do próprio medo (sagrado medo!) de que eles desabem diante dos seus próprios olhos?

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Confiteor

Meus sonhos se hospedam
nas prateleiras superiores
como estatuetas de gesso.

Aguardo que um desses abutres
desperte de seu sono engessado
e venha subtrair um pedaço
ao meu fígado amargo.

Meus projetos são abstratos
como mapas rodoviários
guardados num gabinete.

Sou perito em desembaçar vidraças
para flagrar o silêncio expandido
no interior das ermidas.

O que vejo nada me informa.
O que adivinho é tão obsoleto
quanto o ritual do confiteor.

Tento fazer corresponder
a cada objeto um só nome,
a cada sentimento uma efígie;
mas tudo desdenha da minha ciência.

Que outro tolo proponha amanhã
a hermenêutica dos epitáfios!
Quanto a mim, hei de me matar.
Não a este corpo ainda voraz,
Mas a personagem que só age
à mercê das neutras rubricas.

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