Como ter a disponibilidade criativa e lúdica de um anônimo construtor de castelos de cartas que se submete apenas às injunções do próprio medo (sagrado medo!) de que eles desabem diante dos seus próprios olhos?

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

O Terremoto no Haiti

Chocou-me profundamente o terremoto no Haiti, como deve ter chocado a qualquer ser humano, mesmo ao mais insensível. Todo terremoto é de uma brutalidade assustadora, mas esse nos revela o extremo de uma tragédia, pois devasta um país já antes aviltado pela pobreza, cujo povo já carecia das mínimas condições de existência e que pelas próprias forças não têm a mínima possibilidade de reconstrução, estando a depender da nem sempre desinteressada ajuda alheia. Parece de uma ironia absurda, de modo a impossibilitar qualquer visão amena e otimista da vida, a insuflar reflexões desalentadoras, a jogar a última pá de cal sobre os últimos resquícios do otimismo em mim. Um desses momentos em que arte, poesia e outros valores com que pretendo lidar parecem não ter a mínima relevância.

Não há sequer como imaginar o que aquele povo está passando, e a mídia deveria ter um cuidado quase religioso ao tratar do assunto, evitando demonstrar sua sacrílega presunção de onisciência. É um fato em torno do qual se deve antes perguntar do que afirmar qualquer coisa. Como reconstruir aquilo tudo? Quanto não demorará para se chegar a um ponto que já não era quase nada. Cheguei a pensar que se há uma situação em que um país deveria se declarar extinto e decretar uma diáspora de seu povo, seria essa a ocasião. Um comovido exagero da minha parte, é claro.

No mesmo dia lembrei de Voltaire, que escreveu o seu CÂNDIDO, libelo contra o otimismo, sob o impacto provocado em sua consciência pelo terremoto de Lisboa. No dia seguinte, o Arnaldo Jabor falou dele, fazendo votos de que pelo menos o terremoto do Haiti possa provocar mudanças no mundo tão significativas quanto aquelas que o terremoto de Lisboa desencadeou ao influenciar Voltaire e o Iluminismo. Será?
Um jornal do Rio estampou em capa inteira uma foto chocante de um haitiano segurando o filho morto, não mais que um contraste hipócrita com as bobagens e superficialidades que costumam rechear a maior parte do conteúdo de seus cadernos.

O povo do Haiti agora é como um Jó coletivo a ter a sua fé testada... Fé?

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