Como ter a disponibilidade criativa e lúdica de um anônimo construtor de castelos de cartas que se submete apenas às injunções do próprio medo (sagrado medo!) de que eles desabem diante dos seus próprios olhos?

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

QUATRO POEMAS EM NOVEMBRO



APORTE

Forneço subsídios ao silêncio,
Não o medo, mas a perplexidade,
Essa cama que flutua entre as auroras.

Mas não entendo teu mutismo,
O crepúsculo no teu palato
Quando fechas a boca, o vácuo,
Ausência parcial de sensibilidade da língua:
Perdeu-se o gosto das palavras,
O salino, o adocicado, o cítrico, o amargo.

No entanto, comunicamos,
A pele é que é impelida
A trair a ruptura do verbo (nervo crítico),
E o corpo captura o desejo omitido:
Mal o teu púbis se insinua, aflito
Algo em mim se levanta, grua,
Então se enraíza um diálogo acima do silêncio
E, no mais, temos dito.


LUMINOSA

Anoitece,
e tal como suponho aconteça
na vida pessoal,
os planos distantes
são os primeiros a desaparecer
até a resistente nitidez
do foco central
onde se finca a aguda pata
do compasso existencial,

e a circunferência das sombras
se retrai,
até o ponto onde se grita:
luz! Mais luz!
A sobrecarga impossível,
antes da queima do circuito 
e da escuridão total.


SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO
Ao ouvir o som do meu coração
Sinto-me especialista em criptografia,
Intruso, espião em território estrangeiro,
País governado ditatorialmente
Pela vida.


 CRÔNICA

Um velhinho passa
sob a minha janela,
camisa surrada,
calça jeans, sandálias
e boné.

Claudica.

E me enterneço,
como preconceito
de que está cansado
de levar sua história
anônima, banal
e pesada,
a pé.