Como ter a disponibilidade criativa e lúdica de um anônimo construtor de castelos de cartas que se submete apenas às injunções do próprio medo (sagrado medo!) de que eles desabem diante dos seus próprios olhos?

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

DUAS ANTIFÁBULAS*



1

Na terra distante onde os dragões viviam desde o fim da Idade Média, surgiram, vindos de fora, rumores de que dragões eram seres míticos sem existência real. Tais boatos deflagraram uma onda de revolta e indignação que, como toda onda de revolta e indignação, fez germinar uma inquietante dúvida: será verdade? Será que não existimos?

Para solucionar aquele impasse, os dragões decidiram, em assembléia, romper um pacto de isolamento vigente há mais de oito séculos, e enviar um emissário ao Ocidente em busca de um especialista em mitologia, de preferência o maior deles. Assim foi feito, e após uma semana, a autoridade, seqüestrada com pleno êxito e total discrição, apeou nas terras dragônicas.
Devidamente posto a par das razões de sua vinda, o especialista não se fez de rogado, e exarou de pronto o laudo:

- Senhores, lamento muito informar, mas vossas senhorias não existem, são apenas figuras míticas de uma época muito remota. E desconfio, por razões metodológicas, que estou apenas sonhando neste momento.

O insigne mitologista mal teve tempo de recuperar o fôlego, foi incinerado por raivosas e inconformadas cusparadas de fogo, de maneira que o infeliz não pôde acordar, se de fato dormia, e concluir que tudo não passara de um sonho. E justo por esta última razão, os dragões não conseguiram  certificar  que existiam de verdade.


2

Uma raposa andava tranqüila e galhardamente, quando se deparou com um cacho de uvas pendurado a certa altura. Sem estacar o passo, fez ligeira avaliação e prosseguiu no seu caminho. É que ela já passara diversas vezes pela situação de não alcançar as uvas e condicionou o reflexo de dispensar a moral da história.
                                                                                                                              


* Utilizo a designação Antifábula inspirado em um comentário de Eleonor Marino Duarte, no Facebook, sobre o segundo texto acima. 

Dürer, Combate de São Miguel com o Dragão, xilogravura, 1498.



























2 comentários:

  1. LINDAS SUAS POESIAS, AO PONTO DE UM ARTISTA PLÁSTICO. www. clara3amores.blogspot.com.br

    Prazer mais uma vez!

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