A insônia pode ser
Um salto mental
Em busca de sol.
MISSIVA
Juntei quinhentas palavras,
Granítico vocabulário
Para erguer rígida muralha
Entre nós.
Fracasso de engenharia,
Este discurso de alvenaria
Não resiste ao sopro quente
Da tua voz.
PARA AMANHÃ
Preciso mudar o tom
E o suporte:
Não será no chão da ágora,
Com algum cinza neutro.
Dispensarei a parede sombria
Do cárcere onde grafitar-me
Sombrio redundante,
Sombra sobre sombra
Simula o transparente.
Será mudança meteorológica:
Um céu tão claro
Sobre um vinco apagando-se
Que ninguém diria horizonte-
Oriente-orientar,
E mar!
Com as palavras o sobrevoando,
Livres de sentido,
Ensinando às gaivotas, enfim,
O não-
Mergulhar.
QUANDO REPRESENTA A AÇÃO
Algumas palavras mudam de grau
Sem que nada se lhes acrescente.
Por exemplo:
Não é falada,
Mas escrita,
Que a palavra escrever
Exulta e se realiza.
Haverá outras?
Talvez a palavra pintar
Anotada com pincel e tinta.
Haverá outras?
Talvez a palavra sangrar
Realizada por um Pollock
Num dripping
Com um filete de sangue.
Haverá outras?
Não sei, não vou pensar.
Mas uma exceção extrema
Me vem à consciência,
Uma que plena apenas se realiza
Quando não falada nem escrita:
A palavra ausência.
Uma que plena apenas se realiza
Quando não falada nem escrita:
A palavra ausência.
CORRIDA*
A temporalidade
É a minha Atalanta,
E sou seu Hipômenes.
Preciso superá-la na corrida
Porque a quero desposar.
Ela é tão mais veloz...
Jogo-lhe uns pomos de ouro
À frente!
Mas, contra o mito de outrora,
Ela não os nota,
Passa rente sem lhes dar bola...
Guido Reni, Atalanta e Hipômenes, óleo sobre tela, 1616. |
* Sobre a história de Atalanta e Hipômenes, ver aqui
Identifico-me muito com este blog. Desde a primeira vez que vim aqui, leio e releio os poemas, como geralmente faço mesmo com a boa poesia, leio várias vezes. Mas sempre me ponho a pensar, entro neste seu universo e sinto uma entrega graciosa da minha mente.
ResponderExcluirLembro-me deste poema QUANDO REPRESENTA A AÇÃO de quando vc publicou no facebook. Muito bom! Todos, afinal, maravilhosos.
Beijo, querido poeta!
Todos poemas belos e bem elaborados! Parabéns!
ResponderExcluirApesar de gostar muito de Mitologias(não seria diferente com a grega)prefiri o poema Missiva.
Muita paz!
há por aqui sopro quente de voz que sabe nos ler...sem nos tomar livros!
ResponderExcluirBom vir aqui... sempre bom!
beijinho com admiração!
Marco, sempre fico feliz quando tu publicas aqui... o Diário tem um lugar especial dentro de mim.
ResponderExcluircomeço os teus poemas pensando que Exercício é ótimo. e, se é verdade, daqui a pouco minha mente resplandece, ensolarada...
Missiva é quente, não há engenharia que dê conta do amor...
em Para Amanhã, desde a primeira vez em que li, dia desses, o verso:
"Ensinando às gaivotas, enfim,
O não-
Mergulhar."
mexe comigo, talvez porque possam as gaivotas fazer duas das coisas que me são imprescindíveis: voar alto e mergulhar mais fundo. Não mergulhar é torná-las outra coisa, talvez livres de si mesmas...
Quando representa a Ação me traz a ausência, que quando pronunciada materializa o espaço que seria a medida de uma presença. E percebo que eu tenho materializado minhas ausências, tenho escrito sobre elas... será que as ausências pronunciadas são mais presentes? o espaço fica maior ou menor quando elas são ditas?
para Corrida, calça as asas de Hermes, e se não a alcançares, ao menos estará vestido do deus polivalente...
beijo, Marco!
gostei de ler aqui uns poemas que vi no fb ;-)
não sei porque corridas me lembram Zenão, ótima safra essa dos cinco em outono,
ResponderExcluirabraço
Não sei que folhas desses outonos escolherei para tornar VERDE, Missiva, ne deu um nó no peito.
ResponderExcluirA palavra "ausência" é barra!
Todos muito lindos, bel-issimos,
Beijos
Mirze
ANOTAÇÕES NO MEU INTROVERTIDO DIÁRIO DEVEZEMQUANDAL
ResponderExcluir1 - Roubei para transformar num conto de réis: "A insônia pode ser/ Um salto mental/ Em busca de sol."
2 - "Algumas palavras mudam de grau"... De fato, a ausência é sempre a mesma, palavra de fé, onipresente na sua oniausência, o único deus capaz de unir todos o homens.
2 - "Dispensarei a parede sombria/ Do cárcere onde grafitar-me/ Sombrio redundante,/ Sombra sobre sombra/ Simula o transparente." - recitarei quantas vezes forem necessárias para me convencer de que, das duas uma: ou troco as lâmpadas queimadas da sala e do abajur de cabeceira ou... cedo ao assédio da vizinha taciturna, sem graça e de transparente mau caráter no hálito.
3 - Hipômenes marcou toca com Atalanta. Distraído e tolo como todo apaixonado que se (des)preza, não percebeu que a "guerra" estava ganha quando, conforme prova a foto de Reni, ela abaixou-se pra pegar o sabonete.
Abração, Marco!
Não sei, mas sei que a insônia me deixa quase cega :)
ResponderExcluirbeijoss
Teu blog é ótimo, parabéns!
ResponderExcluirVem conhecer o meu:
leiakarine.blogspot.com
Marco,
ResponderExcluirBelas composições.
Destaco:
"Não resiste ao sopro quente
Da tua voz."
Beijos,
Anna Amorim
Saudações quem aqui posta e quem aqui visita.
ResponderExcluirÉ uma mensagem “ctrl V + ctrl C”, mas a causa é nobre.
Trata-se da divulgação de um serviço de prestação editorial independente e distribuição de e-books de poesia & afins. Para saber mais, visitem o sítio do projeto.
CASTANHA MECÂNICA - http://castanhamecanica.wordpress.com/
Que toda poesia seja livre!
Fred Caju