Como ter a disponibilidade criativa e lúdica de um anônimo construtor de castelos de cartas que se submete apenas às injunções do próprio medo (sagrado medo!) de que eles desabem diante dos seus próprios olhos?

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Dois Poemas

TIRÂNICO

Neste poema instauro
Um despotismo cosmológico:
Com férreo domínio sobre o sol,
Eu o condeno a brilhar para sempre
Nesta página,
Feito áurea roldana
Que aqui içou o esplendor da iluminura,
E em seguida travou-se como mecanismo.
Assim condeno a noite ao ostracismo
Para além da literatura,
Com boca, olhos e ouvidos selados,
Ato poético de ordinária censura.


À NOITINHA

Já ouço os soluços vindos
Do berço da noite.
Ela começa a chorar.
Teria fome de pesadelos?
Todos juntos poderíamos levar aos seus lábios
Um enorme duto
Pelo qual ela sugararia o oceano
Dos nossos medos.

Talvez ela tenha dores no ventre
Inflado de gases nebulosos e astronômicos
Ou farto da loucura, do mal e da morte
Ainda por digerir.

Teria se mirado no espelho côncavo,
Suspenso móbile,
E descoberto ter ela mesma medo de si?

Choro insuportável. Como aguentamos?
Onde estará a mãe da noite?
Dizem que ela tem apenas um pai
Ausente e operoso
Em trabalho eterno no vão entre a luz e a escuridão.
Pobre noite.

Vamos aceitar o encargo de sermos suas babás?
Balancemos seu berço,
Cada qual toque a parte dele
Que lhe chega à janela,
E afinados sussurremos um acalanto:

Dorme...





8 comentários:

  1. Não consigo escrever sem a noite. Às vezes uma ideia poética me consome de dia, e deixo a noite chegar para acalmá-la. Mesmo que a noite chore, ainda me consola. E se ela não dorme nunca, creio que os poetas são os culpados.

    Interessantes poemas, Marco.

    Beijinho.

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  2. ô, Marco, não tiraniza a noite... sou como a Lara, sem ela não existo...rs
    preciso da boca da noite para dizer todos os nomes...

    mas a iluminura já existe nesta página e se chama verso.

    a noite nunca dorme? ou os poetas falam japonês?

    adorei os poemas
    beijo

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  3. A noite traz medos, sons difíceis de identificar, tantas vezes. Você humaniza a noite, e talvez isso tenha tudo a ver com o lirismo que ela sugere a tanta gente, em especial os antigos poetas. Mas essa humanização é dura, e olha a noite como um ser que é preciso suportar, cuidar como uma babá. Muito original.

    Beijo.

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  4. A noite é mesmo uma criança. Cuido sempre dela, há décadas e do princípio ao fim. Quando amanhece posso dormir, sempre com a mesma cara de chupeta.

    Abração

    P.S.: Cadê a foto de Davi e Golias?

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  5. Eu que sempre sou acolhida no ventre da noite, "viajei" no à noitinha, que vou levar pra mim...:-)

    Beijos,

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  6. Belos e originais poemas. Amo a noite, sondo seus mistérios. É quando o mundo se esfria da luz sufocante do sol que ela se revela.

    Um beijo, Marco!

    Mitze

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  7. Nunca pensei que seria a favor de um ato tirânico...

    Aproveitando, deixo aqui um vídeo para xs leitorxs do espaço:
    http://vimeo.com/40411264

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  8. Oh, que trágico! Acabo de me descobrir viciada nessa geladeira de pesadelos que visito noite sim, noite sim outra vez. E como sofro. Mas pelo menos não me engordo. Talvez, até me emagreça :)
    beijosss

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