Como ter a disponibilidade criativa e lúdica de um anônimo construtor de castelos de cartas que se submete apenas às injunções do próprio medo (sagrado medo!) de que eles desabem diante dos seus próprios olhos?

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Três Poemas no Final de Inverno

QUANTUM SATIS

1

Um poema monóstico
com um só degrau,
um meio-fio
em rua deserta:

sem gente que passe,
sem carros que levem
o silêncio,
sem vaga mudança.

Por si mesmo limitado
esse poema:
em neutro decúbito
sua própria esperança.

2

Um poema que oculte
o gesto de explanação,
pelo que plane acima
da própria invenção,

e fuja ao tempo instável
que faculta o poema fácil
posto ser difícil um parto
de pérola
na concha da mão.



ENTRE AS ORELHAS

A palavra insânia
é tão aveludada!
Trazida aos meus ouvidos
por passarinhos...

Mas
o que fazem passarinhos
nos meus ouvidos?
Não deveriam estar lá fora
cumprindo o rito da manhã?

Que manhã? Onde lá fora?
Se todo o mundo está agora
dentro de mim!

Aveludada palavra: insânia.



9,80665 m/s²

Só me ocorrem palavras
mais pesadas que o ar:
a gravidade
não lhes permite
                                 :
                                 :
                                 :
                                 :
                                 :
                                 : cantar
























Max Ernst, A Primeira Palavra Límpida

46 comentários:

  1. Ah, Marcantonio...!!!!!!!!!!!!!!!!!
    A gravidade não me permite falar....

    Beijos

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  2. belíssimo, bélíssimo, belíssimo!!!

    não me canso de falar! Amei!

    Beijos!

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  3. Ô cirandeira, de alguma forma você já falou. E muito expressivamente.

    Beijo.

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  4. Marcantonio,
    E quando entrar a primavera, então!
    Rapaz, que versos mais fundos, dentros, íntimos, intensos, quantos, grávidos...
    Passo aqui e perco o rumo, só não desperdiço o endereço de voltar mais vezes aqui...
    Destaco este, não menos que os demais:

    2

    Um poema que oculte
    o gesto de explanação,
    pelo que plane acima
    da própria invenção,

    e fuja ao tempo instável
    que faculta o poema fácil
    posto ser difícil um parto
    de pérola
    na concha da mão.

    *

    Abraço fora de órbita,
    Pedro Ramúcio.

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  5. O mundo virtual é céu ou terra? Não importa, contanto que a gravidade grude suas letrinhas aqui na tela =)

    Beijo, querido.

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  6. [por vezes, mais que a palavra, é a sua sombra que se impõe na vastidão do papel: letra é traço, a sua sombra, a revelação que ao mínimo olhar se oculta]

    um imenso abraço, Marcantonio

    Leonardo B.

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  7. Luiza, obrigado. A sua visita é sempre carinhosa.

    Beijo.

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  8. Muito bom, vc tem muito o que dizer e diz.
    E q ideia, o título com o valor de g. Achei incrível!

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  9. Menino,

    Não tenho dúvidas, que o mundo inteiro esta em vc, pq só assim, se faz no inverno, esse verão.

    Bjs, Marcantonio!

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  10. Ler esses três poemas é pedir que o inverno não se finde, para daí surgir mais três e mais três e mais três...

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  11. enquanto a terra terra gira... o poeta flutua. e os leitores também. genial! bjo.

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  12. Os meus tanto me bicam quanto me cantam! :)
    bjs.

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  13. Marco, ainda bem que comecei a ler de baixo para cima, assim pude apreciar a aveludada insânia e os passarinhos,porque depois,

    perdi-me de encantos por esta imagem:
    "posto ser difícil um parto
    de pérola
    na concha da mão"

    isto é preciosidade!

    beijo

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  14. Pedro, recebo o seu abraço na órbita da amizade e o seu comentário como um alento, um estímulo. Retorne sim que a minha alegria é sempre grande em vê-lo por aqui.
    Quanto à primavera, bem, vamos ver.

    Obrigado,

    E um grande abraço!

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  15. Lara, só respondo a sua pergunta se você me disser qual é o verdadeiro território do pássaro, o céu ou a terra? Rs. Estou tentado a dizer que o verdadeiro mundo está dentro das nossas cabeças. Humm, insânia idealista esta minha...

    Beijo, moça.

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  16. Leonardo, um comentário seu é um raio poético-luminoso. E que ele incida aqui é uma honra e tanto!

    Imenso abraço, sim!

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  17. Gerana, obrigado. Bem, quanto ao título, eu o atribuo àqueles 10% de inspiração sempre tão injustiçados!

    Abraço.

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  18. Ira, você já teria a minha imensa gratidão só por me chamar de menino. Rs. Mas, ainda acrescento um agradecimento especial pelo comentário que, por menos que eu queira, me envaidece. E soa tão bonito.

    Beijo.

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  19. Nydia, flutuando me vejo ao receber esse estímulo do seu comentário. É gratificante.

    Beijo.

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  20. Bípede, rs... Se esses passarinhos me bicassem me chamariam à razão, à lucidez!

    Beijo.

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  21. Ô Fred, obrigado. Rapaz, eu passei invisível pelo Sábados de Caju porque não deixei comentário, mas estive por lá lendo, como sempre. Vejo você no sábado!

    Abração!

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  22. Marcantonio, camarada, grande poeta e amigo:
    essa tua essência deserta (por isso mais cantos e mais passarinhos)arrebata sobretudo o teu próprio olhar.

    Que venha então o movimento do silêncio atingindo o teto do teu ateliê.

    As cinzas brilham
    porque aos olhos
    do poeta todo silêncio
    é fertilidade:

    "um meio-fio
    em rua deserta:

    sem gente que passe,
    sem carros que levem
    o silêncio,
    sem vaga mudança."



    forte abraço,
    irmão.

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  23. Andrea, obrigado. Preciosidade é poder contar com a sua leitura, a sua sensibilidade e o seu carinho por aqui.

    Beijo.

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  24. Domingos, meu amigo, obrigado. É uma alegria encontrar um comentário seu aqui. Só não é alegria maior do que o privilégio de poder acompanhar o seu personalíssimo blog e a sua admirável poesia.

    Um grande abraço!

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  25. é pertinente deixar-se ao sabor das palavras, em ondas e (re)banhos. Teus poemas estão a luzir, é isso


    abração

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  26. Marcantonio!

    Com a simplicidade absoluta que trago em mim, venho aqui, e vejo este espetáculo em palavras, em geometria, e tudo que possa caber num ser e num pássaro.

    Destaquei aqui :"posto ser difícil um parto
    de pérola
    na concha da mão."

    Apenas esta partícula, que não faz o todo, mas marca a grandiosidade de sua poesia!

    Bravíssimo!


    Abraços

    Mirze

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  27. 'ENTRE AS ORELHAS', beleza de poema. É palavra aveludada mas forte, não perde o seu sentido; nem ao som dos passarinhos.
    beijo. Seu blog é ótimo.

    tais luso

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  28. Você sempre me deixa meio bêbada, Marco, tal é o seu talento para lapidar a palavra.

    9,80665 m/s²

    Só me ocorrem palavras
    mais pesadas que o ar:
    a gravidade
    não lhes permite
    :
    :
    :
    :
    :
    : cantar

    Três poemas; três gemas preciosas. Bjs, poeta. Bom demais "te ler" Inté!

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  29. Assis, obrigado. Luzidios são os seus comentários em si mesmos poéticos!

    Abração!

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  30. Ô Mirze, quando você espalha aqui os lampejos da sua sensibilidade e a sua simpatia, eu me sinto muito bem.
    Obrigado por suas palavras sempre estimulantes!

    Grande abraço.

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  31. Tais, já a conheço "de vista" por muitos blogs. É um prazer recebê-la aqui.
    Esse "Entre as Orelhas" é o que eu chamaria de poema-ocorrência: surge sem exigir retoques, urgente como registro de sensações pessoais; despretensioso, mas reclamando permanecer exatamente como foi encontrado.

    Obrigado por suas palavras.

    Beijo.

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  32. Ju, você é muito gentil. As palavras... Às vezes, tenho a sensação de ser lapidado por elas, como se me devolvessem algo em termos de uma súbita percepção de mim mesmo, de facetas boas ou ruins, mesquinhas ou generosas que se faziam ocultas. Daí que não acredito em estética pura...

    Obrigado, querida.

    Um beijo.

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  33. Incrivelmente bonitos, esses poemas.
    O primeiro é o ser em si.
    Insânia - você tem razão - é uma palavra aveludada e o poema a exprime de um modo maravilhoso.
    O terceiro é concreto até a alma.

    Beijo pra você.

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  34. Marcantonio,

    Gosteis dos teus poemas aqui postados, inclusive do último, que é muito criativo.

    Um abraço,
    Pedro.

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  35. Muita poesia com conteúdo...rendo-me!

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  36. Dade, obrigado. A sua breve análise dos poemas muito me agrada. E esse "concreto até a alma" é fora de série!

    Beijo.

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  37. Pedro, muito obrigado. A sua visita aqui é uma honra.

    Um grande abraço.

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  38. luz efêmera, seja bem-vinda. Que bom que gostou.

    Abraço.

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  39. Tudo incrivelmente lindo, Marcantonio!
    "O poema fácil"... Hum... Este é artimanhoso e tem garras afiadas!
    "Insânia, palavra aveludada"... Assino embaixo!
    Agora, a lei da gravidade é entrave...
    Adorei o post todo, meu querido amigo!
    Forte abraço para você!!!

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  40. Ô vozerão!

    Suspeito que entre as orelhas é onde se dissipam os resquícios da lucidez, até dos mais avisados.

    Beijo em ti.

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  41. não sei se escutas,

    mas pareceu-me que cantas mais que nós, poeta.

    todos construções com a qualidade de sempre, a inspiração motivada pelas tuas observações diferenciadas sobre as formas e contornos

    e lidos com a minha crescente admiração de fã!


    belos trabalhos.

    um beijo.

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  42. Dentro de vc há um universo que pari versos e os entrega à luz pela ponta da tua pena...
    Beijokas.

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  43. Muito bons os três poemas. Aliás, o blog todo é da melhor qualidade. Parabéns

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  44. esa mão em concha
    essas pérolas vindas do coração
    mais leve que o ar
    atraído pela gravidade da vida
    onde no final
    é tudo brincadeira
    ou teorema.... cada um escolhe.
    adorei!

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  45. A palavra "criatividade" faz parte das qualidades que possui.
    Junto a elas, outras tão aveludadas quanto: "talento", "sensibilidade", "Arte".

    Gosto tanto disso aqui...
    bj
    Rossana

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  46. Boa noite, Marcantónio

    Verifico que o comentário que fiz no sábado se perdeu entre as margens do oceano. Um dia há-de chegar no perfume da maresia proclamando a qualidade do que escreves.

    Enquanto esse não chega venho reafirmar o prazer na visita ao teu canteiro poético.

    Abraço

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