A INCIÊNCIA NOTURNA
Eu não respondo por minhas mãos
Desgovernadas sobre o teu corpo,
Se as desatrela de mim um mecanismo desconhecido.
Serão esses campos magnéticos inevitáveis
Como a tentação de me atirar ao mar das bordas de uma falésia?
Não sei se deixam marcas meus dentes brincantes
Nos lóbulos doces das tuas orelhas,
Porque eu me proponho em ti um desfalecimento de tudo o que
[sou,
Dos meus anteparos, das minhas cautelas, do meu instinto de
[conservação.
Se partindo da tua nuca eu me faço rio de esquecimento
Correndo embriagado sobre o leito relaxado das tuas vértebras,
Dando nove voltas ao redor dos teus quadris
Antes de recolheres os meus deságües nas tuas águas ocultas
[e ferventes.
Toda ciência diurna se vai de mim
Quando fazemos um mundo sem hemisférios
De meridianos apagados, de coordenadas subtraídas,
Transladando insone ao redor de um sol instintivo.
Só vivo em ti duas estações,
Quando minhas folhas caem
A tua nudez se faz outono breve,
E me vem a consciência de ter sido, há pouco, anjo animal,
Centauro-pégasus atrelado nas nuvens deslizantes da tua pele,
E uma lembrança de ter tido uma bela morte
Desintegrando-me na atmosfera dos teus olhos.
É então que a tua nudez retorna primavera.
O HERÓI E O DESERTOR
1
O herói soube, ao alcançar o ponto extremo
Demarcado para o seu glorioso sacrifício,
Que as próprias causas desapareceram na planície.
O que fazer senão deixar-se consumar a loucura
Ante o assombro de sentir-se traído pelo deserto?
Lançou-se, enfim, ao abismo
Porque a vergonha era intolerável.
[Naquele momento, no úmido dos seus olhos
Todas as estruturas do mundo tremiam
Ou ondulavam como visões imersas no ar quente:
Ah! Tanto por lançar fora! E era tão tarde...]
2
O desertor ouviu o canto
Vindo de um jardim inacabado
E ainda prenhe de ternuras,
De células vivas,
De liames verdes,
Lá onde o universo todo se esvoaça
Com asas de cera
E os insetos e as flores nada sabem sobre a longevidade
Dos dias de glória.
ERROS
Ao fim do dia
Agonizam
Os meus inventos
Lacerados.
Antonio Canova, Eros e Psiquê
sábado, 4 de setembro de 2010
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marcantónio,
ResponderExcluirno puzzle dos afectos, os astrolábios, por mais sofisticados sejam, e os mapas, por mais exactos que se desenhem, tornam-se desnecessários; afinal, os campos magnéticos desenlaçam todas as lógicas e ciências.
não tenhamos, pois, medo dos efeitos na pele, mesmo que de erros se trate. abaixo as avaliações; todos somos heróis e desertores.
um forte abraço!
Marcantonio, pulei os outros dois poemas. Não vou lê-los agora para não haver ruído no que sinto em relação ao primeiro, porque a sua inciência noturna agitou minha mente e meu corpo que há muito não lia nada que trouxesse tanta paixão e fosse tão erótico. E eu não sou louca de desperdiçar essa sensação, não agora :) So, Ill be back later e aí leio o restante.
ResponderExcluirBeijo.
Eu conheci um homem
ResponderExcluirQue pensava ser herói.
Tentou alçar o ponto extremo
Perdeu terreno, sumiu no ar.
Foi tamanho o sacrifício
Que as causas tornaram inglórias
Diante das supostas vitórias
que aconteceriam, não na planície,
mas no planalto.
A vida deu um sobressalto
... Mudanças!
Sentiram as crianças.
Todos sentiram!
Não poderia deixar-me consumir pela loucura.
Ante a secura e assombro
de sentir-me traída pelo Distrito.
Tudo, enfim, ao abismo restrito
da intolerável incerteza do futuro.
Ondulavam visões imersas no escuro.
Perdia-se o encanto!
O desertor ouviu o canto
Vindo de um jardim
onde o universo todo se esvoaçava
Era uma espécie de Rosa Ícara
Que com asas de cera se despedaçava.
Ele voltou!
Era, do jardim, a Rosa que ele mais amava.
Com carinho
Rosa de Fátima
Como vc coloca mais de 1 poema, eu fico sem saber qual, no exato momento, me encantou mais. Gosto muito de sua poesia, Marcoantonio.
ResponderExcluirMarcantonio!
ResponderExcluirFantásticos os tres poemas! O primeiro é tão intenso que é difícil conceber o porque de viver apenas duas estações.
O Herói e o Desertor! Nossa, que beleza. Acho que os heróis nos deixam desertos.
ERROS! Belíssimo!
Bravos, POETA!
Abração!
Mirze
Nossa, Maequinho, fiquei que nem a Bípede...li o "A inciência noturna" e...ai, sem palavras, só sen-sa-cões: maravilhoso...Parei, respirei, mas prosseguisegui...O heroi e o desertor...erros...Não, não sei, os três me pegam, cada um de uma forma diferente. Mas a inciência noturna...Ah!!!
ResponderExcluirAbraços,
Jorge, você o disse de maneira muito bonita. Parece que no amor o estar à deriva é o único rumo possível, perder o sentido, a ciência de si mesmo, na entrega ao outro. Enfim, é um território de percepções subversivas, de aniquilamento do estado de vigília. Um quase (des)falecimento. Enfim, melhor não explicar.
ResponderExcluirGrande abraço.
Alto poema erótico. Não é fácil escrever assim, num tempo em que a gana é pelo escracho -o que é bem mais fácil, convenhamos. Parabéns, Marcantonio.
ResponderExcluirMaravilha, amigo Marcantonio!
ResponderExcluirVocê faz o que quer com as palvras! Faz milagres !
Leio, leio, leio e quero mais...
ERROS mexeu demais comigo: identifiquei-me.
Com parcimônia no uso das palavras, você escreveu uma enormidade...
Grata, querido, pela oportunidade de boa leitura!
Abraço!
marcantonio, tuas possibilidades, perdidas;
ResponderExcluiras impossibilidades, ellenizadas.
um beijo.
À noite, a mente desgoverna, são os corpos que se entendem.
ResponderExcluirO segundo poema tem sua marca implacável, que me deixa boquiaberta.
E dos erros derradeiros, encontrei-me em perfeição.
Beijo.
a gaia ciência, a poética do espaço: nietzshe e bachelard - desvelam-se mundos inesperados -,
ResponderExcluirabraço
Na última vez que passei por aqui, saí sem fôlego! Pensei que já o havia recuperado, mas qual o quê! Cada vez que venho é um renovar de
ResponderExcluirsentimentos, de sensações outrora "adormecidas". Tua "Inciência Noturna"
acorda-nos até de um sono mais profundo. E teus "inventos" podem estar lacerados, mas jamais agonizantes!
Gostaria de um dia desses publicar um poema teu
lá no 'cirandeira', com tua permissão, é claro, mas confesso que ainda não sei qual deles, pq está difícil de escolher! Além da permissão, aceito uma sugestão tua, posso?
Beijos
Mais que sentimento diluído em palavras. Mais que vibração intensa de sonoridades e estações resumidas em duas. Que beleza, meu caro! Cada dia e a cada poema, menos presumido e mais poeta.
ResponderExcluirO poeta generoso, com tanta poesia nas mãos, as palavras certas, encontrando o seu espaço, o seu lugar exato - se é que existe, mas existe revelado no poema preciso.
ResponderExcluirAbraços.
poemas psicografados por mãos magneticamente atraídas um afeto sensorial desertor dos mecanismos formais. precisa laceração!
ResponderExcluirLindos poemas, Marcantonio. Sempre fico feliz vindo aqui. Um beijo.
ResponderExcluirPrimeiro a dança e então a música, o vento até os in-ventos da alma. Síntese sensacional dos movimentos da mais profunda reflexão do encontro! Maravilhoso Marco!
ResponderExcluirBeijo
Marcantônio, meu camarada:
ResponderExcluira supremacia do fôlego
(do teu fôlego poético)
faz explodir versos
e mais versos
todos fecundos.
Retorno ao princípio
para ainda mais intenso
observar (e tragá-los) .
Poemas que se transmutam.
Lacerados, juntos, espalhados:
todos com cicatrizes
e elevados.
Forte abraço.
Qualquer observação é bastarda, perante a nobreza de suas visões.
ResponderExcluirMarco, Mago, Magnânimo!
Beijo.
Poxa, me sinto assim ao final de muitos dias.... e me assombra(aí sim) ter outro dia pra percorrer.
ResponderExcluirAtraso a ida ao sono...madrugada me embala.