Como ter a disponibilidade criativa e lúdica de um anônimo construtor de castelos de cartas que se submete apenas às injunções do próprio medo (sagrado medo!) de que eles desabem diante dos seus próprios olhos?

quinta-feira, 18 de março de 2010

Vitalidade

Há momentos em que penso que o meu tempo já passou; não no sentido histórico da expressão, mas naquele em que o tempo é como um crédito existencial, a franquia de um terreno fecundo para realizações. Devo estar sendo severo comigo mesmo. A discrepância entre o muito que almejo realizar e a dificuldade material para fazê-lo, acentua minha melancolia, sendo difícil definir esse mal-estar.
Estava revendo um documentário sobre Frida Kahlo e comecei a pensar sobre os fundamentos da vitalidade. De onde aquela mulher, continuamente acossada por dores terríveis, extraia tanta vontade de viver?
Como é misteriosa essa vitalidade que se mostra dissociada do tempo e alheia às circunstâncias e aparenta não depender do vigor físico, podendo, pelo contrário, até insuflá-lo em um corpo pouco resistente. Que estranho dualismo é esse? É a vontade que o produz?
Essa vitalidade se dá como um desconhecimento de limites temporais para o desejo de existir.
Um espírito que vivifica, que quer se fazer ação, que impõe-se às funções vitais, desperta as aptidões, que faz, enfim, a roda girar; e que tem seu contrário num outro espírito, o de recolhimento, evasivo sem evadir-se, espectador sem expectativas, potência alheia à ação, vítima de um deixar-se ficar. Pois o ser humano, em geral, mentalmente está sujeito a lei da inércia que rege o mundo material. Quem poderia, então, manter um grau de autonomia que o fizesse desejar de modo contínuo e independente das relações de tempo e lugar? Eu costumava crer nessa espécie de impermeabilidade idealista, uma auto-ambiência que poderíamos transportar conosco aonde quer que fôssemos e sob quaisquer circunstâncias; mas isso só seria possível se tivéssemos a capacidade de jamais espelharmos as circunstâncias, e de ignorarmos que, como dizia Aristóteles, não é qualquer vida que valha a pena ser vivida, mas apenas a boa vida.
É necessária, então, uma grande dose de ilusão para ter essa vitalidade? Aqueles que parecem possuí-la devem ser indivíduos capazes de manter sua auto-imagem sempre atualizada, ignorando os entraves que impedem a convergência do ânimo pessoal com o mundo.
Não se trata de conformação, que é justamente a aceitação de uma auto-imagem que não se atualiza, aprisionada que está no tempo passado ou a fatores adversos cuja densidade nos faz abdicar do desejo de agir e nos condena ao imobilismo.
Artistas costumam ter essa vitalidade, embora se sintam com o passar dos anos como que traídos por ela, porque aquilo que fazem parece não corresponder mais àquele impulso vital que, então, permanece independente como um espírito sem forma.



























La Columna Rota - Frida Kahlo

2 comentários:

  1. "Como é misteriosa essa vitalidade que se mostra dissociada do tempo e alheia às circunstâncias e aparenta não depender do vigor físico, podendo, pelo contrário, até insuflá-lo em um corpo pouco resistente."

    Não sei se são sentimentos comuns, os nossos, mas eu tenho um grande 'conflito mental' com essa questão da vitalidade. A vontade transborda; a vitalidade falta. É desesperador, às vezes.

    Muito bom, gostei!
    Até linkei seu blog lá no meu porque com certeza vou voltar mais vezes (:

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  2. Aline, legal você ter recuado até aqui. Sem dúvida, também tenho esse conflito. A vontade, as vezes, parece não ter um sustentáculo onde apoiar uma alavanca.
    Poxa, obrigado. Se puder, dê uma olhada também nesse pessoal que comenta por aqui. É gente muito boa. E volte sim.

    Abraço.

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