Tu te lembras de mim
No teu futuro?
Tu me recordas
No augúrio que o tempo
Do enfim em ti cerzirá?
Tu me evocas
Na raiz
Das tuas preces
Quando, parece,
Sabes voar?
Tu me convocas
Nos redemoinhos
De presságios
Que te sugarão
Na fronteira
Entre o pretérito
E a alucinação?
Então te lembras
Da hora viva,
Da hora clara,
Em que perdido
Te encontrei,
Me encetando
Entre tuas coxas,
Me germinando
Nos gemidos
Da tua boca
Onde chorei
E num lampejo
Eternizado
Um universo
Em ti herdei.
II
A tua pele murmurosa
Impele pétalas de luz adocicada
A flutuarem, halo, ao teu redor.
Exultação de reflexos,
A loucura das nuances solares,
Fragrantes,
Dum instante submerso
Em amorenado ardor.
III
No varal da área,
Calcinha e sutiã,
Mistérios do teu corpo
Abertos à luz da manhã.
IV
São os filtros do amor,
Ver-te assim surreal,
Uma Vênus de Paul Delvaux
A flutuar na avenida central.
Paul Delvaux, Entry in The City, ost, 1940 |
"morena, minha morena
ResponderExcluirtire a roupa da janela
vendo a roupa sem a dona
eu penso na dona sem ela"
(Tom Zé)
um "amor amorenado" que brota num outono poético. a certeza da surrealidade que se sabe admirada de tão bela.
essa coisa de intimidade exposta em calcinha e sutiã a desvelar luzes no amanhã, a atiçar folguedos no juízo do amanhecer,
ResponderExcluirabraço
o abril, no caso, só pode significar criadouro de aberturas.
ResponderExcluiraberturas que se abrem e só, sem continuidade de meio e fim, pois que já se abrem maduras, em plenitude, abertas ao infinito, meio como fim, fim enfim.
falar do Poema I seria tentar burlar (bular?) o tempo que o poeta desnuda, invertendo-o, subvertendo-o, de pernas pro ar até o vestido despencar ao ponto certo, o da demoníaca exposição da calcinha - ou, como deus quer, da sagrada ausência dela!
com o Poema II, não quero nem papo. 'Impele pétalas' me invade a inveja, aliterada até o JÁ VÊ IN!
o Poema III... hi, rapá, nele já buli bulando-o, com mão boba, ao comentar o I.
mas o IV me deixou... de quatro!
(afianço que no bom sentido, o da contramão - bobíssima - de uma dama de fino, finíssimo trato que faz, no instante do poema, o footing pela Avenida Central recém-inaugurada, bem antes portanto de Vênus inventar o surrealismo, e deste, por sua vez, inventar Paul Delvaux como rima galicista para amor.
abraço
Marcantonio,
ResponderExcluirO amor em todas as suas cintilâncias, conscientes e inconscientes!
Lindo demais!
Bjs
lembro-me
ResponderExcluirdos ecos
produzidos
do teu choro
e da mornidez
insensata dos teus
beijos
quando me dedilharam
os teus lábios
vertendo
o suor
na minha tez desavisada
e o desejo
num inverso
de nós dois.
Como poderia esquecer?
Me perco nessa beleza dos teus versos, amigo.
Meu carinho e admiração.
Samara Bassi
Abril abre suas cortinas
ResponderExcluirpara o amor feito de lembranças,
de rotinas,
de desejos,
de manhãs.
Poetíssimo!
ResponderExcluirAqui no poema, há ecos de amor belíssimos. A foto, "merveilleuse". Ah se nossos olhos vissem através da roupa!
Beijos
Mirze
Que maravilhas, Marco! Deliciei-me aqui.
ResponderExcluirGrande beijo.
De cara, admiráveis perguntas prefácias para o diário de bordo de um amor futuro. Ou será presente, passado que já estou eu ao ventrículo inferior da tua ampulheta maquiavélica? Se for este o caso, inverta já a geringonça, imploro, que tenho um inadiável compromisso amoroso amanhã ao anoitecer, antes de o sol se pôr a renascer para uma noitada de arromba com a Evaldina, faxineira da lua
ResponderExcluirAbração
P.S.: Se der falta da calcinha no varal, deduro: foi a Elza!
marcantónio,
ResponderExcluirno amor, todo o tempo se torna entidade transversal à memória e o mais intrincado mistério dos afectos mero devaneio quinhentista na era espacial.
um forte abraço!
marco,
ResponderExcluirsão realmente de amor os teus poemas.
(eu gosto tanto dos versos de amor!)
quanta beleza em:
A tua pele murmurosa
Impele pétalas de luz adocicada
A flutuarem, halo, ao teu redor.
quanto erotismo em:
Então te lembras
Da hora viva,
Da hora clara,
Em que perdido
Te encontrei,
Me encetando
Entre tuas coxas,
quanta sublimação em:
São os filtros do amor,
Ver-te assim surreal,
Uma Vênus de Paul Delvaux
A flutuar na avenida central
os homens são infinitamente melhores
do que nós mulheres
quando cozinham
e
quando amam!
lindos!
um beijo.