Como ter a disponibilidade criativa e lúdica de um anônimo construtor de castelos de cartas que se submete apenas às injunções do próprio medo (sagrado medo!) de que eles desabem diante dos seus próprios olhos?

sábado, 16 de abril de 2011

Quatro Poemas Amorosos em Meados de Abril

I

Tu te lembras de mim
No teu futuro?
Tu me recordas
No augúrio que o tempo
Do enfim em ti cerzirá?

Tu me evocas
Na raiz
Das tuas preces
Quando, parece,
Sabes voar?

Tu me convocas
Nos redemoinhos
De presságios
Que te sugarão
Na fronteira
Entre o pretérito
E a alucinação?

Então te lembras
Da hora viva,
Da hora clara,
Em que perdido
Te encontrei,
Me encetando
Entre tuas coxas,

Me germinando
Nos gemidos
Da tua boca
Onde chorei
E num lampejo
Eternizado
Um universo
Em ti herdei.


II

A tua pele murmurosa
Impele pétalas de luz adocicada
A flutuarem, halo, ao teu redor.

Exultação de reflexos,
A loucura das nuances solares,
Fragrantes,
Dum instante submerso
Em amorenado ardor.


III

No varal da área,
Calcinha e sutiã,
Mistérios do teu corpo
Abertos à luz da manhã.


IV

São os filtros do amor,
Ver-te assim surreal,
Uma Vênus de Paul Delvaux
A flutuar na avenida central.


Paul Delvaux, Entry in The City, ost, 1940

11 comentários:

  1. "morena, minha morena
    tire a roupa da janela
    vendo a roupa sem a dona
    eu penso na dona sem ela"

    (Tom Zé)

    um "amor amorenado" que brota num outono poético. a certeza da surrealidade que se sabe admirada de tão bela.

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  2. essa coisa de intimidade exposta em calcinha e sutiã a desvelar luzes no amanhã, a atiçar folguedos no juízo do amanhecer,


    abraço

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  3. o abril, no caso, só pode significar criadouro de aberturas.

    aberturas que se abrem e só, sem continuidade de meio e fim, pois que já se abrem maduras, em plenitude, abertas ao infinito, meio como fim, fim enfim.

    falar do Poema I seria tentar burlar (bular?) o tempo que o poeta desnuda, invertendo-o, subvertendo-o, de pernas pro ar até o vestido despencar ao ponto certo, o da demoníaca exposição da calcinha - ou, como deus quer, da sagrada ausência dela!

    com o Poema II, não quero nem papo. 'Impele pétalas' me invade a inveja, aliterada até o JÁ VÊ IN!

    o Poema III... hi, rapá, nele já buli bulando-o, com mão boba, ao comentar o I.

    mas o IV me deixou... de quatro!
    (afianço que no bom sentido, o da contramão - bobíssima - de uma dama de fino, finíssimo trato que faz, no instante do poema, o footing pela Avenida Central recém-inaugurada, bem antes portanto de Vênus inventar o surrealismo, e deste, por sua vez, inventar Paul Delvaux como rima galicista para amor.

    abraço

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  4. Marcantonio,

    O amor em todas as suas cintilâncias, conscientes e inconscientes!
    Lindo demais!


    Bjs

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  5. lembro-me
    dos ecos
    produzidos
    do teu choro
    e da mornidez
    insensata dos teus
    beijos
    quando me dedilharam
    os teus lábios
    vertendo
    o suor
    na minha tez desavisada
    e o desejo
    num inverso
    de nós dois.
    Como poderia esquecer?
    Me perco nessa beleza dos teus versos, amigo.
    Meu carinho e admiração.
    Samara Bassi

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  6. Abril abre suas cortinas
    para o amor feito de lembranças,
    de rotinas,
    de desejos,
    de manhãs.

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  7. Poetíssimo!

    Aqui no poema, há ecos de amor belíssimos. A foto, "merveilleuse". Ah se nossos olhos vissem através da roupa!

    Beijos

    Mirze

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  8. Que maravilhas, Marco! Deliciei-me aqui.

    Grande beijo.

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  9. De cara, admiráveis perguntas prefácias para o diário de bordo de um amor futuro. Ou será presente, passado que já estou eu ao ventrículo inferior da tua ampulheta maquiavélica? Se for este o caso, inverta já a geringonça, imploro, que tenho um inadiável compromisso amoroso amanhã ao anoitecer, antes de o sol se pôr a renascer para uma noitada de arromba com a Evaldina, faxineira da lua

    Abração

    P.S.: Se der falta da calcinha no varal, deduro: foi a Elza!

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  10. marcantónio,
    no amor, todo o tempo se torna entidade transversal à memória e o mais intrincado mistério dos afectos mero devaneio quinhentista na era espacial.
    um forte abraço!

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  11. marco,

    são realmente de amor os teus poemas.

    (eu gosto tanto dos versos de amor!)

    quanta beleza em:

    A tua pele murmurosa
    Impele pétalas de luz adocicada
    A flutuarem, halo, ao teu redor.


    quanto erotismo em:

    Então te lembras
    Da hora viva,
    Da hora clara,
    Em que perdido
    Te encontrei,
    Me encetando
    Entre tuas coxas,


    quanta sublimação em:

    São os filtros do amor,
    Ver-te assim surreal,
    Uma Vênus de Paul Delvaux
    A flutuar na avenida central



    os homens são infinitamente melhores
    do que nós mulheres
    quando cozinham
    e
    quando amam!

    lindos!

    um beijo.

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