Como ter a disponibilidade criativa e lúdica de um anônimo construtor de castelos de cartas que se submete apenas às injunções do próprio medo (sagrado medo!) de que eles desabem diante dos seus próprios olhos?

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Dois Poemas do Final de Julho

PLANAR E POUSAR

1 - Pluma

Os dedos trêmulos não conseguem pinçar a pluma,
Mordiscam o vazio, estrangulam a cápsula translúcida
Sem constância.

Nem os olhos conseguem acompanhar os espasmos fugidios
Da ciliada fração de asa, tão branca ocorrência de ignorância
Taxionômica.

Ó pluma randômica, em que esquina de vôo poderias escapar
Da idéia de pássaro que te aprisiona?

2 - Osso

Em vão os dedos intentam escapes diagonais:
Não haverá força centrífuga
Que sagre as falanges distais
Em pterodátilas.
A qualquer quiromancia verruma a artrose
E o vento arrefece nas vias descencionais.

É para o chão que o osso ruma
A despeito da aérea gnose:
Calcifica-se a pluma.

3 - Pouso

O pensamento plumiforme
Não poderá tornar às asas
Do livrepássaro:
Perde impulso,
Pousa palavra,
Falta-lhe espaço.



RECEPÇÃO

Ouvidos insetívoros
Captam zumbidos:
Com astúcias de flores vistosas
E um néctar ressentido
Atraem artrópodes melíferos
E os asfixiam no silêncio.


10 comentários:

  1. Muito interessante essa ideia de pássaro que fica na pluma. O quanto de fragmentos espalhados por aí que continuam a pulsar como um todo. Há uma prisão em cada parte, que antes se separa querendo liberdade.

    Ótimos poemas, excelentes metáforas.

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  2. aqui
    poesia é pluma
    leveza ao sabor da vida

    e o video emociona

    abs Marcantônio

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  3. o pássaro mesmo pousado em casca é um reboliço, emplumado em voo então,



    abraço

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  4. Uma leitura: nem a leveza nos livra do destino de todos.
    Beijo, Marco.

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  5. Olá Marcantonio,
    Surpreendes pela forma de escrita que fascina.

    "...E os asfixiam no silêncio." - crueldade terrível! Mas tão comum...

    Belo, belíssimo.
    Abç

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  6. Ando numa secura de palavras, beirando o intransitivo e o incomunicável, como aquele poema de Drummond. Nunca tinha atinado para as possibilidades do verso "Fique torto no seu canto", sempre entendi o canto muito maquinalmente, burgues-mente.

    SEGREDO

    A poesia é incomunicável.
    Fique torto no seu canto.
    Não ame.

    Ouço dizer que há tiroteio
    ao alcance do nosso corpo.
    É a revolução? o amor?
    Não diga nada.

    Tudo é possível, só eu impossível.
    O mar transborda de peixes.
    Há homens que andam no mar
    como se andassem na rua.
    Não conte.

    Suponha que um anjo de fogo
    varresse a face da terra
    e os homens sacrificados
    pedissem perdão.
    Não peça.

    Mui belo este par de versos:
    Ó pluma randômica, em que esquina de vôo poderias escapar / Da idéia de pássaro que te aprisiona?

    Mas queria, como leitora intrusa, abrir nos versos finais uma brecha, para não ser asfixiada pelo silêncio, como os insetos melíferos. Ou então atravessar estes silêncios sem medo. Divago...

    Abraço.

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  7. Belíssimo, Marco!

    "falta-lhe espaço".... espaço que pousa em pluma e em pleno voo encontra o poeta.

    Beijos

    Mirze

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  8. Que zum zum zum é esse, heim?

    Aqui a recepção lírica é sempre es-pan-to-sa.

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  9. voar é para poucos.

    abração meu caro!

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  10. Marcantônio, sabe que fiquei pensando ser o drama de um escritor, a pluma, os dedos, o tremor.

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