Como ter a disponibilidade criativa e lúdica de um anônimo construtor de castelos de cartas que se submete apenas às injunções do próprio medo (sagrado medo!) de que eles desabem diante dos seus próprios olhos?

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Um Poema sobre o Natal e mais Dois Agregados

NATAL

As sombras da noite, lá fora,
remontam à era pré-histórica
quando os fósseis de agora
andavam sobre a terra
                                  sem museus,
                                  sem feriados,
                                  sem cristos,
                                  sem bem nem mal,
                                  sem Natal.

Aqui dentro, a película da luz artificial
sobre as faces se estende esfacelada:
estão todos pregados em suas cruzes
                                  alugadas.

Há desamparo,
mas reparo que só há bocas
que queiram sorver cardumes
de iguarias natalinas,
para emudecer os queixumes
de suas vidas bovinas.

Eis que o chefe da família,
perfeito homem de negócios,
começa a partir o peru
exemplar de uma espécie
que no futuro será fóssil.
Fóssil como o próprio futuro
                                sem museus,
                                sem cristãos,
                                sem feriados,
                                sem negócios,
                                sem bem nem mal,
                                sem natal,

                                só ócio.


ERRO

É um sofrimento
nem tudo dizer do que quero:
falo do que posso tal como posso
e espero.

Abre-se um fosso, rasgo exangue
De onde nenhum alívio sobrevém:
a palavra errada flutua no pus,
inútil refém.


SEMPRE INÉDITO

Não exijo coerência dos pássaros,
permanência ou conseqüência.
É todo um canto absorto
que explode no ar da manhã!
Como errantes partículas,
todos esses estrídulos brilhantes,
essas bolhas de luzes sonoras,
som que tem cor que em nenúfares
se transforma.

Não perguntarei amanhã:
- Eram vocês que cantavam ontem?
Será uma beleza sempre outra
que nunca poderá ser datada.

Van Gogh, Os Comedores de Batatas, óleo s/ tela, 1885

18 comentários:

  1. É igualmente um sofrimento para mim como tua
    leitora não poder por não saber expressar o que
    sinto quando leio teus poemas, porque muitas
    vezes é como se falassem por mim também. E aí
    tuas palavras ecoam numa grande algaravia...,
    deixando-me em silêncio.

    beijo

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  2. uma beleza díspare, a esperança que brota nos versos! Beijos!

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  3. É um sofrimento
    nem tudo dizer do que quero:
    falo do que posso tal como posso
    e espero.

    Falar mais o que depois disto, Marcantonio? Um abraço.

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  4. É um sofrimento
    nem tudo dizer do que quero:
    falo do que posso tal como posso
    e espero.

    Abre-se um fosso, rasgo exangue
    De onde nenhum alívio sobrevém:
    a palavra errada flutua no pus,
    inútil refém.

    Nossa!!! Sobre seus versos, o que eles provocam, não é possível dizer tudo o que quero. E exclamo. Nossa!

    beijos

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  5. Marcantonio, eu morro de inveja do que você faz com as palavras. Perfeito, redondo. Você e a Christiana Nóvoa, meus ídolos. Estou patinando no livro "A montanha mágica" - quero ser igual a você. Feliz Natal, na sua cruz alugada aí. Uau!

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  6. Eu gosto desse ácido com que coloca tintas nas palavras e faz com que elas não perdoem na realidade o que não deve mesmo ser desculpado.
    bjs

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  7. Marco,
    Fóssil como o próprio futuro...
    Feliz natal o teu poeta, por mais que "triste"...
    Mais um próspero poema...

    Abraço presente,
    Pedro Ramúcio.

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  8. Distorções, como as sombras das cavernas.
    Já nem sei para onde caminhamos se para a saída ou para o fundo mais abissal.

    beijo

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  9. Terrível esse primeiro poema, uma profecia bíblica, e o pior: muito coerente com nossa era.
    Por que os homens insistem em acreditar que estão acertando sempre?
    O último poema abre para um dia de sol cheio de pássaros nas árvores - tudo que não depende de nós. Melhor assim.

    Beijo.

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  10. Ímpar, Fantástico! Maravilhoso! Assombroso!

    .....sem bem, nem mal, sem Natal! Verdade absoluta!

    É um sofrimento também, ler entender aplaudir e sair.

    Beijos, poeta!

    Mirze


    .

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  11. Vejo presépios nas palavras e construo árvores de coloridos pingentes. Ao que nasce, ao que morre, ao que fica, ao que parte, pairam as eternas vigílias de um todo poderoso. A poesia é o erro que faz o homem ficar nu,


    abração

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  12. a palavra errada por vezes salva, creio.

    são bons teus poemas. eu acho. gosto de lê-los.

    tem um pouco do graça lá no um-sentir :)

    grande abraço!

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  13. Linda jóia, Marcantonio!
    Pendentif: fio de ouro com três diamantes.
    O do meio, maior de todos, natalino...
    [Visão diferente, necessária]
    Imenso abraço, querido!

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  14. marquinho,
    leio seu poema e projeto um filme de todos os natais memoráveis de minha vida. eu que cresci num ambiente de precariedades materiais e que sentia o nosso "almoço de domingo" daqueles idos num jantar que tinha o menino Jesus como convidado, e era certamente "um plus a mais"(rs... como diria minha amiga juliana vinagre).

    acho o natal um trem do caráleo.
    todas as pessoas que conheço ficam ainda melhores no natal.

    ócios do ofício?
    será?

    abração do

    r.

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  15. Marcantonio

    "Cai o pano"... a visão dos bastidores, o avesso dos sentimentos, o homem protagonizando seu próprio roteiro.



    Intensidade nas palavras, verdade na poesia!

    Bj grande, meu amigo

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  16. " se a via crucis virou circo estou aqui."

    acertou no tom do erro, sempre inédito o que sinto ao te ouvir.

    espetáculo!

    benção, meu mago.

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  17. não há erros inéditos, porque todos têm uma matriz comum. e sobre a árvore de natal que nos plantas no peito, vagueiam fósseis de hoje sem futuro e fósseis de ontem com presente. já nem as cruzes exibem os seus nomes, nessa galeria de vidas bovinas.
    o dedo toca a ferida. e como ela dói...
    um abraço natalício, poeta amigo!

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  18. Marco, este poema sobre o natal se desenrolou diante de mim como uma animação, dessas em linha, em que a humanidade surge e desaparece. Brilhante!

    Mas no Erro vejo todos os teus poemas, porque é assim que sempre os leio, tentando sentir a palavra que não foi dita, que é ânsia entre linhas, que é ruído entre os versos escritos.

    um beijo

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