domingo, 5 de dezembro de 2010
Três Poemas
NÃO SEI O QUE É MANIFESTO
Eu não quero falar do pouco;
O pouco já está em minhas mãos.
Não me interessam as migalhas
Que já estão sobre a mesa
E grudam nos meus cotovelos.
Os passantes não me interessam.
Os transeuntes são o que são:
Untam-se de sol e suor
E passo derreado entre eles
Que comigo passarão.
Não quero falar da encefalite, da cefaléia,
Da artrite, da artrose, da isquemia
Ou de qualquer necrose da alma:
Farmácias são tão banais.
Os dramas repetidos, performáticos,
Já não são mais drásticos:
Eis o nosso solo comum.
Não quero falar dos cactos cordatos,
Da harpa lírica de arames farpados.
Também não entro em perfumarias,
Cosméticos não me interessam:
Os disfarces já são as faces.
Quero terminantemente
Ignorar o conseqüente:
Só me interessa o desavisado:
Como se afirma a negação.
Mas também não me interessam
As margens altas do que digo,
Esse porquê do dever dizer o que digo:
Não sei quem foi mallarmé,
Não sei se foi mal amado,
Só busco o precipício no qual se chocam os dados,
Se rolando vão barthes no inesperado, e daí?
Também não sei de lacan,
Se laico, lacrado ou sagrado,
Se césar, se cristo ou kristeva,
Se jakobson, se romance, se karamazovi
Se saussure, se salsugem, se salva de palmas;
Se freud, se foda, se forca;
Se jung, se unhas ou ungulados;
Se ossian, se cioran, se siderados,
Se fósseis ou fossas profundas;
Se deleuze, se de luzes ou sombras.
Não quero saber dos ecos,
De longe, de perto ou de humberto .
Não quero em apoteose orar a ti, ó teoria!
Eu quero falar do nada
Que não cabe em minhas mãos.
O que posso viver não preciso dizer.
O que quero dizer é o que não vivo.
E é vão. Não é tomara, ou oxalá.
Ainda te superarei, ó referência,
Com uma palavra deserdada,
Anti-palavra que nada dirá.
EROSÃO
Meu espanto maior
é não-fala,
raiz vital
erodindo por dentro
a rocha vocabular.
NATURAL
O teu corpo muda.
Mudo, o meu corpo
em si mesmo o percebe.
E daí, se nos transfigurarmos
enquanto nus brincarmos
nas águas do rio que segue?
Nossa nudez se integrará
à transparência.
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Serei Poeta?
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Que importa o nada, o não dizer, o não saber, quando se tem as mãos repletas do sentir... naturalmente. bjs, boa semana!
ResponderExcluirEm respeito à beleza da anti-palavra, há pouco a dizer...aliás, como dizer qualquer coisa entre tanto sentir? Bjo, poeta. Bjo cheio de espanto, "erodindo por dentro a rocha vocabular"!
ResponderExcluirAH!!!! Marcantonio!
ResponderExcluirLavei minha alma no primeiro poema. Estou cansada de recorrer a textos junguianos, freudianos e tantos outros: Malarmé, Bachelard etc. O que lemos e sabemos, não precisamos expor.
Quero a transfiguração, a cara lavada e limpa e se necessária for a nudez, que assim seja!
BRAVÍSSIMO!
Acho que muita gente deveria ler isto.
Beijos, poeta!
Mirze
nudez, mudez: o solilóquio da anti-palavra. manifesto: mãos em festa de escrita;
ResponderExcluirHefesto em sílaba.
a roda e o timão: naufrágio circular.
o sim, o não e o não do não.
a negação da face: inação
abraço
Uma beleza de trabalho, Marcantonio. As palavras se afinando dentro do texto trazendo à tona seu pensar poético.
ResponderExcluirInfeliz de quem vive apenas afogado nos livros e esquece de pensar por si mesmo.
Um abraço.
"Não quero falar do pouco;
ResponderExcluirO pouco já está em minhas mãos."
Ah, Maracntonio, as migalhas grudadas nos nossos cotovelos, caindo um pouco pelo chão, para gáudio dos cães famintos: tão pouco, não é mesmo?
Entendo-o, e passo em seguida para o estrago da erosão.
Em seguida, a naturalidade dos corpos traçando animação na maleabilidade e transparência da água...
Ficaria aqui o dia inteiro, meu grande poeta!
Abraço paertado
Marco,
ResponderExcluirchoví uma chuva miúda que molha lá fundo nas fibras e arrepia. Lavei minha alma os ossos. Foi como se eu assistisse o reerguer de um Hamlet num brado, em pleno ato.
Meu Deus!
Coisa mais linda! e ao mesmo tempo tão visceral e crua...
Sacadas de genialidade, esse monólogo é digno de um palco.
Aplaudo você e seco as minhas pálpebras em seu ombro. abraço apertado.
Nus, somos todos pelados. Um tabefe na cultura, entretanto, custa tanta leitura!mGostei do que li, mesmo aquilo que não sei se entendi.
ResponderExcluirO seu não-manifesto deixou-me intrigada, a catar emoções que não seriam expressadas. Demais!
ResponderExcluirA não-fala calou meu corpo.
Naturalmente é tão bonito! =)
especialmente, parabéns pelo NÃO SEI O QUE É MANIFESTO
ResponderExcluirvê-se o trabalho minucioso do poeta com as palavras ao mesmo tempo que se sente a emoção da naturalidade da palavra conservada. a nudez é sempre a melhor opção para a construção de um verso, mas o cuidado na elaboração das imagens é muito bem vindo quando se trata de poesia. você conseguiu um resultado fantástico!
EROSÃO nos diz do perigo de poupar palavras. adorei!
NATURAL é de sensualidade delicada, muito difícil de conseguir. ficou belo.
e, particularmente, um verso para a alma feminina que agrada demais.
abraços, poeta. só lamento não poder comentar tudo o que você escreve.
E no entanto...!?
ResponderExcluirBeijo
Quando alguma coisa me inquieta, eu volto, Marco. As palavras e os versos criam corpo e aquilo cresce feito planta e se agiganta.
ResponderExcluirEstive escrevendo um ensaio para meu outro blog e relí Nietzshe, Max Sheler, Freud,Lacan...e a recusa em pensar, o não, a inação...o niilismo, pulsão e destrutividade.
E caramba, Marco,
você conseguiu condensar tudo isto neste teu poema.
Eu precisava te dizer isto.
beijos
Por favor, Marco, não precisa publicar, é que eu queria reler o poema e deixar o registro prá ti.
ResponderExcluirbjos
putz, tem que ter muita bagagem pra escrever algo desse “nipe”, meu bem.
ResponderExcluirtu és um ás da palavra!
beijo com admiração.
O que posso viver não preciso dizer.
ResponderExcluirO que quero dizer é o que não vivo.
E é vão. Não é tomara, ou oxalá.
Nossa, Marquinho, fiz catarse com o teu poema! Perfeito. Nem quero dizer mais nada, só que foi óóóótimo ler...
Beijos,
marquinho, também não o que é (me) manifesto...rs
ResponderExcluirachei uns lances muito legais em seu poema NÃO SEI O QUE É MANIFESTO, reflexivo.
lambo seus cotovelos à procura de migalhas. rs
abração do
roberto.
ps: tem um trecho com pulsação de letra de música...
mais: mallarmé malamado... bom demais...
fechando: quando bebo umas, fico achando que karamazovi é uma marca de metralhadora, de fuzil...rs
" Só me interessa o desavisado: ... só busco o precipício onde se chocam os dados" Amei.
ResponderExcluirSua anti-palavra, sua não fala e sua mudez me deixaram sem palavras.
ResponderExcluirPS: Da próxima vez capricho mais no trocadilho.