Eu amesquinho as tuas asas
Enquanto ejeto os meus temores.
Nisso, eu mesmo me torno mesquinho
E verto um vinho que eu não beberia,
Vinho acre de volume amazônico.
Nas vielas em que me vejo
Comigo mesmo não cruzaria
Se fora antes advertido:
É que estou vindo esse ser soturno
Com as mãos nos bolsos sempre.
Quem me garante que não guardo
Escondida uma navalha
Para me desfigurar o rosto?
Ao menos sei que me avizinho,
E tenho um átimo de segundo
Para evitar a minha má companhia
Em sua descida aos subterrâneos.
VARIEDADES
Parece que o tamanho não diz respeito à poesia:
Não é documento que a habilite.
O poema é protéico,
Veste o mínimo,
Veste o máximo, veste o excedente.
Contém momentaneamente o trânsito.
A águia não cabe de volta
No ovo de águia.
O céu é o novo ovo
Da águia.
Mas os olhos da águia têm pupilas.
O bico tem uma curva agressiva.
Na cabeça da águia uma penugem
Vibra em paz ao vento.
A águia é uma panorâmica.
A águia é um close.
Cabe um corvo num haicai.
Cabem mil corvos num haicai.
Mas não cabe todo “O Corvo”
Num haicai.
VÉRTICE
Há momentos em que pasmo!
E o pasmo é um lacre
Sobre as horas restantes do dia,
Ver se torna adentrar uma fresta
Exclusiva.
Como agora: esse caramujo
grudado à vidraça epifenomênica
CONTRA-ATAQUE
Do meu próprio palavrório
Rio sintético.
Ilustração de Doré para "O Corvo" de Poe |
É sempre show o que encontro aqui. Admiro teu trabalho, caro Marcantonio.
ResponderExcluirAbraços!
é sempre assim quando se assomam teus versos me perco neles parece sempre que nunca vejo o inteiro foco sempre em algo e depois descubro outras nuances no meio quando volto. Dessa vez o haicai caiu como uma pluma - realmente haicai nenhum diz do corvo inteiro, mas pode falar do vôo, do preto, do ar. Não deixa de ser belo o fragmento da vida.
ResponderExcluirBeijos!
Pasmo eu, ao esquecer o que escondo nas mãos furtadas pelos bolsos, enquanto meus olhos percorrem seus poemas.
ResponderExcluirBeijo, poeta-mor.
É dezembro em teus versos. E os cuidados e os cuidados com os excessos e as faltas e as banalizações.
ResponderExcluirMarco, gosto mesmo, muito de perceber como pensas acerca das coisas maiores, menores, especiais e comuns.
excelente este prelúdio natalino.
beijos
almejo este rio sintético, em que a única palavra seja capaz de provocar o caos no verso,
ResponderExcluirabraço
.se for pra ser mesquinho, que seja encarnando algo dessas asas.
ResponderExcluir.variedades aqui não falta, num sopro, vai da águia ao corvo sem perder o riscado.
. vértice aguçou minha vontade de quebrar vidraça.
.contra-ataque foi no alvo!
um bombardeio lírico...
beijo, meu mago!
(sei o quanto é generoso)
Como sempre PERFEITO!
ResponderExcluirAqui há um vislumbre do que há por vir. Nada cabe direito na poesia. A imagem do ovo e da águia, se destacam !
O Máximo!
Beijos, poeta!
Mirze
comecei por ler-te de baixo para cima. a ilustração para "o corvo", de poe, é o mote para um dezembro que anuncia a chuva, não a que arranca os telhados, mas a que os lava, por mais facas, punhais e lâminas escondidas onde as inquietações possam repousar as suas esperanças epifânicas. é que, se o poema é proteíco, que dizer da vida? vitamínica, lipídica... é o banquete em que somos o principal dos comensais.
ResponderExcluirum abraço, poeta! grato por já ser dezembro!
Ah, te leio e releio e me esquivo de escolher o que mais me chama...mas se me chama, me chama: Variedades!
ResponderExcluirA águia não cabe de volta
No ovo de águia.
O céu é o novo ovo
Da águia.
Eis aí: maravilhoso!
Beijos,
Marcantonio
ResponderExcluirPensei que não leria nada mais inequívoco das definições de poetas:
"É que estou vindo esse ser soturno.
Com as mãos nos bolsos sempre..."
Até compreender que nada compreendo sobre tamanhos e sobre poesias.
E você ainda se questiona...
Bjs
Rossana
Então o que é um natal realmente, senão a luz de um nascimento, a chegada de um feixe de luz arrebatador e ao mesmo tempo sereno?
ResponderExcluirPois assim será este dezembro poético.
Que em dobro espalhes poesia neste diário e no azul temporário .
beijos
e ainda estou por aqui.
Esse momento que atravessa nossos olhos sem perdão é quase sempre o prenúncio de alguma criação, e podem-se esperar dele dois, talvez mais poemas filosóficos, bonitos de doer. Filosofia e poesia têm tudo a ver.
ResponderExcluirBeijo, Marco.
Boa acolhida para dezembro: epifenomênica, isto é, iluminada pela poesia.
ResponderExcluirAbraços.
Recebes dezembro para nos ofertar do mínimo ao ao máximo. O que cabe num num verso e o que esborra por todas as frestas (da palavra, da imagem, da possibilidade de ver de diversas alturas).
ResponderExcluirVir aqui é um dos momentos em que pasmo!
Beijo grande!!!
Beleza.
ResponderExcluirMarco, eu fico cada vez mais tua fã, se é que dá (sério, sem rasgação de seda, que não sou afeita). Sabe que às vezes eu gostaria de ser um desses zumbidinhos aí na tua cabeça? só pra ver de perto todo o turbilhão que há dentro dela. rsrs
ResponderExcluirIsso que tu escreve é uma gota do oceano que te passa. E já é gigante! Imagino o resto...
Bom, os poemas são excelentes. Mesquinho é soturno, tal qual a tua descrição de si mesmo. E variedades é simplesmente demais,com a ágia que não cabe no ovo e o céu e o corvo...adorei!
beijo