Os meus olhos estão ausentes.
Há duas flores em seu lugar,
Justas na cavidade ocular.
Não são flores quaisquer;
São plásticas:
Não têm lastro de realidade,
Não secam nem se dissolvem.
Quando prevejo florações, é certo
Que elas ocorram perto de mim:
A visão se me tornou a cegueira de florir.
PASSAGEIRO
O que muda a minha palavra
Na face de um mundo surdo?
Nada sabe dos meus acenos
A alma de um mundo cego.
Meus ouvidos são obsoletos
Para esse mundo emudecido.
Ah, mas o mundo anda!
Corre o mundo veloz,
Velocíssimo pelo espaço!
E me leva no bagageiro:
Um passageiro
Mudo,
Cego,
Surdo
E paralisado.
CONTRA NARCISO
Não me fascinou
a minha imagem
simétrica
(fantasma nítido
sobre a água clara).
Vi, além, o fundo,
o fundo escurecido,
o fundo vazio da luz
dos nomes.
Enamorei-me desse fundo
onde tudo não era eu.
Marcantonio, Melancolia 47 - Narciso - 2007 Outras imagens minhas AQUI |
marco,
ResponderExcluireu vim aqui ler os meados de novembro mas... vou precisar fazer mais tarde a leitura, agora eu fiquei presa aos seus novos dizeres no cabeçalho e na garrafa ao mar. sabe o que mais me espanta? seu domínio quanto ao efêmero, sua clareza filosófica...
Como ter a disponibilidade criativa e lúdica de um anônimo construtor de castelos de cartas que se submete apenas às injunções do próprio medo (sagrado medo!) de que eles desabem diante dos seus próprios olhos?
Tudo o que faço é um símbolo da minha própria esperança, tal como a garrafa lançada ao mar com uma mensagem é para o náufrago. Mas posso andar na praia apenas ouvindo o discurso definitivo das ondas…
gostei demais.
...
...
...
abraços.
profundos incrementos, na maré cheia a lira deslancha de vez...
ResponderExcluirsabe a quê veio!
beijo, mago.
plasticamente dissonante este teu primeiro poema, exercita os sentidos mais delirantes do olhar. a anti-visão final - o oposto do oposto em luz - é deveras atordoante. aliás me parece que uma maldição escrevinha junto ao olhar, como se desver - isso existe? - estivesse além do visível. as imagens dos outros dois se me resvalam em vazios, tal qual na mitologia a figura torta busca em suas costas o espelho labiríntico. acho que foi Umberto Eco que escreveu um ensaio sobre os espelhos, desafiando modos de ver e ver-se ou rever-são. acho que devaneei...
ResponderExcluirabração
Ô Betina, obrigado. Bem, se essa clareza existe, ela se deve, por contraditório que pareça, a um misto de angústia e desencanto; a diferença é que, para o meu espanto, eles se tornam produtivos!
ResponderExcluirAbraços.
Cris, que essa lira deslanchada siga para um ponto no qual poente e nascente não se diferenciem. Na verdade, não sei a que vou!
ResponderExcluirObrigado,
Beijo.
Assis! O seu comentário impressiona. Rapaz, quanta coisa dá para pensar dessa relação ver/desver. Esse desver agora existe, ao menos para mim, e embora pareça significar 'não ver', é aparentado com desvelar, desvendar. Talvez trate-se de impor ao real as imagens resultantes de um desvendamento interno!
ResponderExcluirComo o mundo seria chato se os devaneios não fossem visíveis, compartilháveis!
Grande abraço.
"as flores de plástico não morrem"
ResponderExcluir***
"mundo mundo, vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não uma solução"
***
"é que Narciso acha feio
o que não é espelho"
***
a poesia que brota da tua lavra, se espraia feito flores na primavera, feito as dores do mundo. porque desconstruir Narciso é preciso.
Sabes, Marquinho... Alegria é compartilhar da tua cegueira (que é clara, colorida e poética).
ResponderExcluirAmei a Garrafa. Será que a encontro nos mares de cá? Se não, posso também ficar com as ondas (como tu bem disseste).
Beijo, beijo, beijo.
*
ResponderExcluirMarcantonio!
ResponderExcluirPleonasmo é dizer e falar de sua genialidade,que vai da disponibilidade criativa e lúdica até a simetria dos espelhos em Narciso. A ótica do espelho foi descomplicada aqui.
Belíssimo!
Beijos
Mirze