ADVERSA
A palavra víscera
É importantíssima,
A palavra víscera.
É palavra avessa
Ao sol mais puro.
É palavra espessa,
Conduto escuro.
É tão importuna
A palavra víscera,
Não se coaduna
Com pele e carícia.
A palavra víscera
Tem oculta face
Que se pronuncia
Invasiva, rapace.
A palavra víscera
Não é gregária:
Não tem convívio,
Coisa contrária.
Faz-se sevícia
Aos ouvidos sãos:
É cirúrgica e dura,
Requer sutura
E cauterização.
E mais se oculta
A palavra víscera,
Reativa obliteração,
Se o mau poeta
A exterioriza
Pelo eufemismo
Da conotação.
ONDAS INTERNAS
O que me aterroriza tem sempre a feição
De uma perda de humanidade,
De fim do mundo que me transcende;
Uma invasão de oceano afogando os signos.
Por isso me aplico tanto em sonhar,
Para resgatar desse líquido vácuo
Uma coleção de imagens humanas.
A água mina do fundo lacerado do barco,
E eu, com uma canequinha,
Faço ondas tremendas do lado de dentro.
NEGAR TRÊS VEZES
Poesia, tu és tão inútil!
E me envergonhas.
Quisera negar-te três vezes.
Acaba de cantar o galo pragmático;
E o meu dia, que pertence ao mundo,
Austero se inicia.
Guardo-te na mala, poesia,
Como se foras um boneco de ventríloquo.
Da Vinci, Desenho Anatômico.
* Postei hoje um poema no Mínimo Ajuste, aqui.
e torna a vida enfadonha
ResponderExcluiresse transbordamento
de janelas abertas
(sabemos silenciosamente
que o vento não explica
a queda do vaso
ou por que a janela
bateu tão forte
sangrando nossos dedos)
...
Bravo, poeta.
Forte abraço,
amigo.
Caralho, Marcantonio! Dessa vez não tem como o mês começar ruim. Acabei de tomar o Adversa como o melhor texto que li em seu Diário Extrovertido. Já o Negar três vezes deixou um gostinho de João Cabral de Melo Neto, na fase do Antiode, no ar. Grande abraço, compadre.
ResponderExcluirÉs um grande ventríloquo com uma canequinha nas mãos a fazer ondas "externas" de ótima poesia, Marcantonio. Muito bom!
ResponderExcluirAbraços, poeta!
o medo é a perda da humanidade - já tão perdida em alguns cantos - muito bom os poemas, principalmente o "ondas internas", é que o mar nos diz tanto...beijo!
ResponderExcluiradversa atesta a pompa das águas submersas, ondas internas são de remexer areias...
ResponderExcluirnão te nego três vezes, nem se a canoa virar!
beijo, (mar)co.
Espero que sua poesia te engane e salte da mala antes de vc fechar, rs. Li seu lindo poema também no Mínimo Ajuste, inclusive, sou seguidora do blog porque vc e Andrea de Godoy escrevem nele.
ResponderExcluirBeijo, querido.
a palavra víscera me lembra alvíssaras e devem ser irmãs, como todos os sonhos são irmãos de estranhas linhagens e essas ondas que nos habitam florescem nos trigais do amanhecer, da poesia quem nunca a negou atire o primeiro verso,
ResponderExcluirabração
Do culto ao oculto, jamais vi ou lí vísceras assim tão belas...A Lâmina da palavra aquí expôs o seu melhor.
ResponderExcluirSão inúmeras as possibilidades quando se tem destreza.
abraços e desejos de que seu 'novembro' seja vívido e pleno de inspiração e poesia.
Dizer o quê? Sua escrita é sempre surpreendente e me pega de jeito, por uma ou por outra razão. Essas ondas internas me arremessaram a mim mesma!Muito bom!
ResponderExcluirAbraços,
Novembro começa alvissarreiro na ponta de lança da tua poética.
ResponderExcluirBravo, Marcantonio.
Abraço grande.
Marcantonio!
ResponderExcluirComo é usual, todos os poemas belíssimos.
Particularmente uso a palavra visceral, no sentido de: "sair do mais obscuro sentimento", não sabia desse fenômeno que causa a palavra.
Que não só novembro, mas todos os dias possamos te ler!
Bravo, POETA!
Mirze
tão bom!
ResponderExcluiradorei "ONDAS INTERNAS"... me tocou profundamente...
um beijo,
Talita
História da minha alma
Você e sua canequinha conseguem fazer um tsunami poético.
ResponderExcluirBom demais!
Gostei muito do seu comentário na minha casinha.
Indo correndo para o Mínimo Ajuste.
bj
Rossana
adorei este seu poema, consegui sentir as minhas visceras, em rebuliço.
ResponderExcluirobrigada pelas suas visitas e comentários no blogue, para mim, valem todas as letras do tal do alfabeto.
que os nemos se consigam escrever, pelo menos assim,
beijo
Laura
Adversa tem um traço de João Cabral. Fascinante.
ResponderExcluirOs três poemas são excelentes e guardam uma ressonância que é a marca do poeta.
Beijo pra você.
EGAR TRÊS VEZES
ResponderExcluirPoesia, tu és tão inútil!
E me envergonhas.
Quisera negar-te três vezes.
Acaba de cantar o galo pragmático;
E o meu dia, que pertence ao mundo,
Austero se inicia.
Guardo-te na mala, poesia,
Como se foras um boneco de ventríloquo.
Depois desta, ponha a coroa de louros na cabeça, deite na cama, fique esperando o prêmio nobel... Muito muito muito muito linda. Não sei o que fazer com ela, Marcantonio!
Como diria o poeta Matuto Marginal: viva as tripas.
ResponderExcluirO primeiro poema é sensacional, não que não tenha gostado dos outros, gostei também, mas o primeiro, o "Adversa" está em um nível superior. Abraços!
ResponderExcluir"Por isso me aplico tanto em sonhar,
ResponderExcluirPara resgatar desse líquido vácuo
Uma coleção de imagens humanas."
Ps: Não guarde na mala a poesia, até os ventrículos precisam de ar... ;-)