INÓCUO
Se o poema pudesse curar-te
O meu horizonte poético
Seria feito de prateleiras de farmácia;
Meu intento: alquimia orgânica
Nas fontes genéticas.
Mas, o verso não tem ação
Farmacocinética,
Quando muito, emplastos com sabiás
Embutidos
Retirados das ramas da palmeira poética
Falta de sentido.
Desta botica esclerosada e inócua
Eu me evaporo dos frascos sem tampa
No ar consumido.
Bode expiatório exilado
Meu poema não se cura
Da procura do passado.
Cura de aldeia aposentado,
Ocupado com uma colônia
De larvas para passarinhos,
Com o placebo das palavras
Eu me enveneno sozinho.
DA PACIÊNCIA
Tudo o que encaro
Esfria e se cristaliza
Em calcária paralisia.
Olhar de górgona,
Espero sem pressa
O porvir que se move
Rumo ao presente
Que presumo eternidade.
Até que perca a cabeça
Mirando a mim mesmo
No escudo polido
Da precariedade.
O MURO
Parece que busco
um renascimento;
mas,
o tempo contraceptivo
me acumula sobre mim:
tijolos tijolos
tijolos tijolos
tijolos tijolos
tijolos tijolos
tijolos idênticos
de um mesmo muro.
LICENÇA
Quando digo que estou perdido
Não me acreditam.
Sem gerenciar-me,
Sem administração,
Sob antiga ou nova direção,
Sem estratégia de venda, enfim.
Não é licença poética,
É licença de mim.
PICASSO, Ciência e Caridade , óleo s/ tela - 1897
* Também postei hoje no Mínimo Ajuste
sexta-feira, 13 de agosto de 2010
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Mas que gripe essa!, Marcantonio!!!!
ResponderExcluirQuanta poesia tens guardada aí nesse teu peito,
quantos expirros,quantas febres e calafrios foram necessários? Estou assim...meio sem saber
o que dizer: dizes tanta coisa que nos diz respeito...o "placebo das palavras" não envenena só a ti, poeta! Falas por tantas vozes...!?
Gosto muito de ler-te. É gratificante.Gostei muito do poema que postaste no 'Mínimo'
Um grande abraço
Cirandeira, daquelas gripes persistentes. E me desanimou de tal forma que sequer respondi aos comentários da postagem anterior; o que não pretendo deixar que ocorra agora.
ResponderExcluirObrigado demais pelas suas palavras e seu carinho.
Abraços.
Destaco a expressão forte e amarga, sem deixar de ser bela, deste poemas. Todos muito expressivos.
ResponderExcluir"Desta botica esclerosada e inócua eu me evaporo dos frascos sem tampa no ar consumido."
ResponderExcluirAqui lembro da sua persistente pergunta por tanto tempo: "serei poeta?". E como é...Com veia pulsante em quaisquer circunstâncias, transformando, usando mesmo os momentos de debilidade como matéria-prima para versos reflexivos e inquietantes que são impossíveis de passar em branco. Não só poeta, mas dos bons, dos que inquietam. A inquietude abre as portas para profundas mudanças interiores. Você me surpreende a cada dia.
Abraços,
Postagem substanciosa, Marcantonio.
ResponderExcluirTodos poemas de ótima linhagem.
Destaco "Inócuo" com estes versos:
"Mas, o verso não tem ação
Farmacocinética,
Quando muito, emplastos com sabiás
Embutidos
Retirados das ramas da palmeira poética
Falta de sentido."
O quadro da fase acadêmica de Picasso
é também luz nos meus olhos.
Amigo, melhoras e felicidades.
Reiffer, obrigado. Pois é, rapaz, todos os poemas têm um tom de desilusão. A postagem terminou por aparentar uma certa tristeza, talvez mais inconscientemente do que por deliberação.
ResponderExcluirAbraço.
Ô Tânia, obrigado sempre. Você está sempre me fazendo esse chamamento à convicção de ser poeta. Acho que vou mudar o marcador para "Até quando serei poeta?". Brincadeira. Mas, tomara eu possa manter essa capacidade de surpreender a que você se refere, permanecendo, talvez, no terreno fecundo da dúvida e da vontade de conhecer.
ResponderExcluirAbraços.
Paulo Jorge, muitos ainda se surpreendem diante desse Picasso; e eu gosto de mostrá-lo como uma espécie de base genealógica de um trajeto, afinal poucos artistas tiveram essa espécie de odisséia formal tão reveladora como foi a de Picasso, no terreno do domínio da linguagem.
ResponderExcluirMas, obrigado por suas palavras sobre os poemas. Sabe que hoje já me sinto melhor? Talvez o verso tenha uma ação farmacocinética maior do que suponho. Rs.
Grande abraço, Paulo Jorge!
Quando vejo o simples no palco, sempre fico feliz. Horizonte e prateleira em Inócuo prenderam imediatamente a minha atenção com essa genialidade inerente aos bons: a simplicidade.
ResponderExcluirUma segue a outra poesia de tudo quanto é jeito. Envenenar os versos de si faz parte do ofício do poeta.
ResponderExcluirbjs
Doença mesmo, caro Marcantonio, é o desconforto da alma. Se a gripe aviva desejos poéticos, põem-se de fita as palavras, entrementes espirros saem poemas. Ora viva, seja bentida a desdita. No canto da botica emplastros acariciam versos, e o peito é pasto feérico,
ResponderExcluirabração
Retirei ramas e mais ramas dessa palmeira poética...vc é demais! Que lindo! Bjo!
ResponderExcluirFred, obrigado. Concordo com você a respeito da simplicidade como o ideal expressivo. Só não sei se realmente eu a alcanço. Parece que há obsessões que costumam me atrapalhar ou desviar desse caminho.
ResponderExcluirAbração!
Assis, eu ainda estou me perguntando por que cedi ao impulso de associar esta postagem à gripe. Rs. Faz tudo parecer muito pessoal.
ResponderExcluirO seu comentário como sempre é um achado. Isto aqui é muito bonito: "No canto da botica emplastros acariciam versos, e o peito é pasto feérico".
Abração, Assis!
Daniela, que bom vê-la de volta aqui. Obrigado pela presença, comentário e carinho!
ResponderExcluirBeijo.
Esses teus poemas
ResponderExcluirlembraram-me Heráclito de Éfeso.
Como se resumissem todos em um esplendoroso
Eterno Devir.
Forte abraço.
Estou totalmente encantada com "O Muro" e "Licença".
ResponderExcluir"Meu poema não se cura
ResponderExcluirDa procura do passado"
ai ai, Marco, tem coisa que não tem cura. Mas tua poesia é remédio pra alma, mesmo quando estás doente.
Sabe, lendo Paciência e o porvir que se move rumo ao presente, lembrei do livro Caim, onde saramago descreve passado e futuro como diferentes presentes...afinal, é a eternidade.
Desses tijolos dá pra fazer uma torre imensa e chegar no céu. (No céu dos pássaros, não de deus, feito a torre de babel...rs)
às vezes é preciso tirar licença de si...porque até a gente mesmo se satura, né?
depois, porque não há outro remédio, voltamos a nos encontrar.
um beijo
marcantobio,
ResponderExcluirO placebo das palavras nunca inócuo, inoculado sempre: farmácia espiritual...
Curas com gripes, poeta...
Abraço contagiado,
Pedro Ramúcio.
Domingos, obrigado pela presença. Heráclito é, de fato, o meu pré-socrático predileto; e o devir de tudo é uma das minhas obsessões. A mudança, a precariedade e a impermanência do sujeito. Mas, no fundo, a quem isso não preocupa, não é mesmo?
ResponderExcluirGrande abraço!
Gerana, obrigado. Você não imagina o quanto esse seu encantamento me lisonjeia, e é significativo para mim.
ResponderExcluirAbraço.
Marcantonio!
ResponderExcluirMestres não deveriam adoecer.
Poemas maravilhosos! Todos, licença de mim, ficou-me no pensamento.
Melhoras, embora a febre o inspirou.
Abraços
Mirze
Saudações Marcianas. Belos poemas, espero aprender mais de poesia por aqui. =]
ResponderExcluirE no entanto os poemas são tão saudáveis!
ResponderExcluirBeijo e melhoras.
Andrea, que bom vê-la de volta. Vejo que você encontrou uma saída engenhosa para esse meu muro, uma vertical estável. Quanto à licença, quem não gostaria de se licenciar da obrigação de ser aquilo que os outros esperam de nós, por conveniência, por convenção ou mesmo por opressão?
ResponderExcluirUm beijo, Andrea.
Pedro, é sempre uma satisfação encontrar um comentário seu aqui. Sem dúvida, não nego essa farmácia espiritual, que assume os riscos de reações adversas e efeitos colaterais. Mesmo que ela não cure, alivia os sintomas e tem efeito analgésico proporcionado pelo princípio ativo da arte: a ilusão.
ResponderExcluirGrande abraço, Pedro!
Ô Mirze, obrigado pelo carinho, pelos votos de melhora. Mas, eu não sou mestre não; apesar de já parecer lugar-comum o afirmar isso, vá lá, prefiro ser aluno, inquieto, perguntador, seguindo em frente. Mestres têm que lidar com a tentação de se repetirem a si mesmos.
ResponderExcluirAbraços, querida.
D.Everson, saudações poeta de Marte! Estou seguindo vocês com o maior prazer. Mas olhe só: se você aprender alguma coisa aqui, vai ser sem que eu tenha ensinado. A não ser que sejam dúvidas, só ensino dúvidas. Rs.
ResponderExcluirAbração!
Ô Dade, obrigado. Esse negócio da gripe entrou aqui como uma colagem num quadro cubista: um dado da realidade. Foi um impulso.
ResponderExcluirJá estou melhorando.
Um beijo.
Olá Marcantonio, adorei teu blog e estou a segui-lo.
ResponderExcluirAbraço!
Moço, espero que já esteja melhor, pois que esse primeiro poema meio "Augusto dos Anjos" quase me pôs de cama...
ResponderExcluir:D
Quatro obras ótimas e um Picasso para (arre)matar!
Bjs
Rossana
Tiro licença de mim ao entrar na sensibilidade, na profundidade poética do outro. Peço licença para passar por aqui, mas quando vejo, já estou me esbaldando com esta arte completa que vc nos oferece.
ResponderExcluir=)
Tenho uma palavra para você, Marcantônio. TALENTO! TALENTO!
ResponderExcluirAbraços!
Marcantonio, não li seu poema, pelo olhar rápido vi que preciso ler com calma, merece atenção redobrada.
ResponderExcluirVim aqui por causa do seu comentário no blog de Mai. E vim ver de onde você era, e como era era seu blog.
Gosto muito de João Pessoa, e de algumas praias da Paraíba. E o Rio eu amo de paixão. Sou de Recife.
abraço
caro marcantónio, peço-te licença para discordar: a tua poesia não é inócua e muito menos paliativa; a tua escrita é arte sem muros, onde, ainda assim, grafitis de vida pairam sem superfície definida, rasgando fronteiras e limites que apartam o homem da verdadeira e definitiva palavra.
ResponderExcluirum abraço, arquitecto da poesia!
Neste diário, cada traçado cria contornos, cores, cantos tão inesperados, quão esmerados.
ResponderExcluirBeijos, fabuloso!
Gostei de Da Paciência, esse jogo precariedade-eternidade.
ResponderExcluirVivemos esse dilema, escravos do tempo, finitos ansiando pelo infinito.
E do Muro, com toda sua concretude, pedra a pedra (tijolo a tijolo) erguendo o muro do tempo – ainda e sempre a tempo, esse tirano, esse algoz.
Licença de mim – o quadro de Picasso diz bem.
Um grande abraço.
Joana, que bom. Seja bem-vinda. Obrigado.
ResponderExcluirAbraço.
Rossana,rs., obrigado. Já estou bem melhor sim. Essa lembrança de Augusto dos Anjos não deixa de ser interessante.
ResponderExcluirBeijo.
Lara, há aqueles que concebem a leitura como um ritual que requer preparação, e um respeitoso pedido de licença. Há momentos em que tenho essa estranha sensação, e entro num blog como se fosse um espaço físico, a casa do outro. Talvez, idealmente, devêssemos conceber toda escrita como se fora encimada por uma tabuleta: entre sem bater. Deveríamos, então, exercitar esse despudor invasivo e desmistificante, importunar o escrito como visitantes atentos e indiscretos de um passeio público. Ou não? Sei lá. Mas, entre aqui sem pedir licença. Rs.
ResponderExcluirBeijo.
Pablo, que bom vê-lo de volta aqui. Rapaz, aceito essa palavra porque a associo à liberdade, à espontaneidade e ao engenho; não fosse assim, ela me seria um ônus, como aptidão necessária para realizar uma tarefa ou função socialmente demandada. Pareço só ter talentos não requeridos pela realidade.
ResponderExcluirAbração!
Ô Paula, essa curiosidade é muito simpática. Obrigado pela visita. O seu retorno aqui só me trará alegria.
ResponderExcluirUm abraço.
Jorge, essa imagem do grafitti de vida que paira por superfícies indefinidas é fabulosa. Pudesse eu merecê-la como definição dos meus esforços! Quiçá como um intento, uma tentativa improvável de encontrar essa palavra que jamais será definitiva, senão como um reflexo de pássaro sobre a água.
ResponderExcluirGrande abraço!
Cris, empregar cuidado e esmero nessa capacidade de surpreender é tudo que se ambiciona em arte, talvez como expressão da própria capacidade de se manter perplexo diante das coisas. Se você diz que consigo, fico feliz. Mas, sempre inquieto sobre a possibilidade de me manter nesse rumo.
ResponderExcluirBeijo.
Brandão, é verdade, o tempo é o núcleo das nossas inquietações, vaporizador dos nossos anseios ilusórios de concretude. Aquilo que intentamos poupar sem alcançar possuir.
ResponderExcluirA sua palavra aqui é sempre bem-vinda e recebida com admiração.
Grande abraço.
Marcantonio
ResponderExcluirA doença, ou melhor dito, o "estado de não saúde" sempre nos torna mais vulneráveis do que achamos ser. Com certeza, a poesia enquanto fármaco curador e depurador dos nossos males tem uma "meia-vida" looonga... ainda bem!
Apesar da ação desencadeadora ter sido ruim (gripe), o resultado final foi muito bom!
Espero que já tenhas te recuperado bem...
Bjs carregadinhos de saúde pra ti!
o corpo arriado, alquebrado, a mente preguiçosa. tudo se esvaiu deixando só a poesia que em ti resiste.
ResponderExcluirabraços, poeta!
Eu leio seus poemas em voz alta, para que os meus ouvidos (e os ouvidos dos outros que sempre estão por perto) possam se apropriar dos seus significados fantasticamente bem construídos.
ResponderExcluirEu fico pensando de onde é que você tira todas essas imagens, mas logo me lembro de que também é artista plástico e imagino que elas devem flutuar na sua frente, até de olhos fechados. =D
Lindo como sempre.
Beijo carinhoso querido!