Quero ir para longe,
Para onde a vida faz a curva
Abrupta,
Onde terra e céu são descosturados.
Neste domicílio me desintegro.
Quero ser eu mesmo o pastor e o rebanho
Em pastos baldios e não loteados.
Vogar por ruas que não me gritem o nome.
Ser argonauta desertado em desmazelo
Com desdém pelo velo dourado:
Jasão jazendo na relva do jardim de Voltaire.
Dirão que enlouqueci.
Dirão que desisti.
Que o digam!
Quero fulgir na alça do primeiro sol sem vocábulos.
Ser o curador da galeria de todas as inutilidades:
Carrinhos sem rodas, livros sem final,
Moedas sem efígie, carimbos sem textura,
Canetas sem cargas, pincéis sem pelos,
Meias puídas, manuais de empobrecimento...
Um sem-fim de coisas abdicadas.
Quero ser um extravio de poeta desusando palavras.
Nem que eu tenha que hospitalizá-las todas,
Quebrar-lhes as pernas,
Entupir suas artérias,
Embaçar seus cristalinos.
E se acaso algumas resistirem,
Com elas adentrarei o burgo,
Quero fazer escambo na feira,
Trocar dúzias de palavras raras, convalescentes
Por um retalho de vida plena.
Mas, quem aceitará?
Como último recurso eu as deixarei nas margens
Da estrada
Que vai me levar para longe, distante daqui.
SEGMENTOS IMPOSSÍVEIS
(TÍTULOS PERDIDOS)
1
A revolta das escápulas.
2
O precursor aposentado.
3
Canteiro sanguíneo.
4
Estradas residuais.
5
O mentor das orquídeas.
6
Espelho-cela
7
Amanhã, amoras.
8
Grua de estrelas.
9
Purê de luzes.
10
O meu fígado não é isca, abutre!
MARCANTONIO - Estudo em lápis aquareláveis - Anos 90
Mais imagens minhas AQUI
quarta-feira, 18 de agosto de 2010
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Puro encantamento!
ResponderExcluirPostagem perfeita, que não me deixa possibilidade de escolha: não dá pra dizer preferi isto ou aquilo...
Preferi tudo, Maracantonio!
"Quero ir para longe" me dá a impressão que você leu meu estado de espírito e disse consigo: Vou traduzir isso num poema...
Os dez segmentos impossíveis( títulos perdidos), maravilhosos... Penso que não são impossíveis e que não estão perdidos: estão hibernando, é só isso; tenho certeza...
A ilustração dispensa comentário: basta dizer que é é obra sua: pronto! É o selo de qualidade...
Grande abraço, meu querido amigo!!!
Lindo demais!
Camarada Marcantonio,
ResponderExcluirtua alma é vasta
e o desejo idem.
Os rastros perseguem
a sombra.
Certo é que reinas.
Tu reinas.
forte abraço.
este poema Quero ir para longe engendra caminhos e rotas de fuga, amontoa um sem fim de coisas impossíveis, mas palpáveis: paradoxo dos paradoxos. É como se fosse mágica sem truques. Dá para pensar no que é tão dessemelhante, no que transita entre paralelos. Viagem a um infinito bem próximo. D'Os títulos perdidos fico com Amanhã, amoras. Sugere-me uma narrativa por escrever.
ResponderExcluirabração
[de todas as possíveis impossibilidades a palavra se esculpe como baixo relevo do horizonte imensidão que habita o poeta: o todo é pouco, o imenso, vago rascunho]
ResponderExcluirum imenso abraço, Marcantonio
Leonardo B.
que estudo mai lindo!!! Realmente quero ir pra esse lugar aí, parece transcendente e todos os títulos casam com o desenho. Os meus preferidos são "a revolta das escápulas", "grua de estrelas" e "purê de luzes"! DIrão que enlouqueceu, mas é melhor ser louco que ser ausente, normótico, robô, alienado. De louco eu gosto!
ResponderExcluirbjs!
puseste luz no obscuro.
ResponderExcluirQue beleza, hein? Ah, aguardo o tempo que for pelo "O mentor das orquídeas". Vê se encontra ele...bjos!!! P.S. Tela linda.
ResponderExcluirMarco, perfeito esse lugar das improváveis possibilidades, do avesso da normalidade!
ResponderExcluirquero ir também pra lá, gosto dos dessaberes, dos desfazeres, da não obviedade.
Adorei esse poema!
Gostei dos títulos perdidos, 'estradas residuais' formou imediatamente uma imagem na minha mente...rs
a imagem me lembra um vale de pirâmides margeado pelo azul.
Beijo.
"Quero fulgir na alça do primeiro sol sem vocábulos"...Nossa, isso não é uma fuga, como pode, em princípio parecer... O Poeta quer FULGIR...e não FUGIR...quer o brilho, o esplendor do território onde as palavras adormeçam e, no silêncio, possa restituir-se a si mesmo... "Trocar dúzias de palavras raras, convalescentes/ por um retalho de vida plena."... Simplesmente ma-ra-vi-lho-so, Marquinhos! Não, não só da Zélia vc captou o estado de espírito: me é tão íntimo agora! Gostei de tudo, mas Quero ir pra longe inquietou-me ...e quando me inquietam os versos, tomam posse de parte de mim. Bravo!
ResponderExcluirAbraços,
P.S. Bela imagem emoldura o vigor dos versos...
Queremos todos ir - nesta estrada dos fulgores residuais, quem sabe, amanhã, amoras... Poema de embaçar cristalino, Marcantonio! Belo! Beijo.
ResponderExcluirMarcantonio,
ResponderExcluiros segmentos impossíveis são verdadeiros achados... Não sei se é teu caso mas, pra mim, vira e mexe tudo começa assim: com uma frase-insight, que [as vezes, muito] depois ganha corpo de poema. De qualquer modo, assim mesmo, do jeito que estão, já cumprem a função mais poética que pode existir: incompletar ainda mais a nós, a vida e a tudo mais que a ressonância alcança...
Abraços!
Quando decide-se fugir, aí sim que recomeça a vida, para mim isso quer significar um pulsar, que não se aguenta parado.
ResponderExcluirQue máximo os títulos!
Sua tela me aquarelou, meu azul escuro e laranja até sorriram.
Beijo.
Marco, ir para longe, até os segmentos impossíveis. Praticar o escambo de palavras por vida plena. Na vida plena e louca da poesia as palavras são limites, mas pelo menos organizam as coisas e dão um certo alívio, pois a plenitude pode doer, pesar, desnortear. Querido, teus poemas são muito belos. O primeiro é maravilhoso, algo de Manoel de Barros, pelo "desuso" da palavra.
ResponderExcluirbj
Nossa! Como gostei desse poema! Lavou-me a alma, porque todos os dias eu penso assim. Esse querer sair de cena, e não sei o que me prende.
ResponderExcluirA imagem do livro sem fim, marcou-me.Quebrar palavras, como um corpo...MARAVILHOSO!
Parabéns, Marcantonio!
Abraços
Mirze
Cara...já fiz minhas malas...depois dessa tbm quero ir...muito bom mesmo...o negócio é esse, cair na estrada e seguir o caminho..simples assim...
ResponderExcluirMuito bom!!
[]s
caro amigo, perco-me nos trilhos com que des-vendas as palavras. acaso não serão elas o projecto de fuga maior? como xavier de maistre, viajamos "à roda do quarto", porque as palavras são os veículos e o sonho-delírio-loucura os motores. e tudo porque neste "espelho-cela", todas as "estradas são residuais"; afinal, há sempre mais que uma "grua de estrelas".
ResponderExcluirum abraço-constelação!
MARCANTONIO...
ResponderExcluirLonge é sempre um lugar longe demais...
Obrigada pelas palavras lá no Mínimo...
e hoje...mais tarde...a brincadeira continua...
com outra foto...outra idéia...
Beijos
Leca
Excelente Marcantonio. Fez-me querer conhecer tal lugar e partir de imediato.
ResponderExcluirGrua de estrelas me chamou atenção demais!!
Aplausos, poeta!
Marcantonio,
ResponderExcluirPara mim, um ótimo poema sobre a necessidade de desconstrução do Eu para purificar a verdadeira razão da vida/existência.
Quero ser eu mesmo o pastor e o rebanho
Em pastos baldios e não loteados.
Vogar por ruas que não me gritem o nome.
Ser argonauta desertado em desmazelo
Com desdém pelo velo dourado:
Jasão jazendo na relva do jardim de Voltaire.
Belíssimos momentos de catarse ao desmantelar as palavras para desusá-las. Lindo isso!
Quero ser um extravio de poeta desusando palavras.
Nem que eu tenha que hospitalizá-las todas,
Quebrar-lhes as pernas,
Entupir suas artérias,
Embaçar seus cristalinos.
Até que ponto há um poema maior do que as palavras que o constroem? Talvez seja a pergunta de todos os poetas. Palavras não são infinitas, como os números, talvez por tamanha qualidade de ser infinita, a música seja mais transcendente do que o poema....
A palavra é matéria prima que se esgota! que se limita!
No verso, me pareceu que o poeta desejou substituir as palavras, mesmo as mais elaboradas e raras palavras, por sensações plenas:
Quero fazer escambo na feira,
Trocar dúzias de palavras raras, convalescentes
Por um retalho de vida plena.
depois, senti o belo momento do abandono das razões estabelecidas em favor do embarque na emoção de forma integral:
Quero fulgir na alça do primeiro sol sem vocábulos.
Ser o curador da galeria de todas as inutilidades:
Carrinhos sem rodas, livros sem final,
Moedas sem efígie, carimbos sem textura,
Canetas sem cargas, pincéis sem pelos,
Meias puídas, manuais de empobrecimento...
Um sem-fim de coisas abdicadas.
A inquietante pergunta, então:
Mas, quem aceitará?
E em seguida, a libertação independente de aceitação, você fecha o verso com uma bela “abertura” colocando a expressão “Da estrada” em uma linha solitária, o que na minha opinião, deixa claro o solitário caminho que é tal a libertação para o “distante daqui”.
Uma nova estrada surgirá!
Como último recurso eu as deixarei nas margens
Da estrada
Que vai me levar para longe, distante daqui.
parabéns, especialmente pela bela imagem fulgir na alça do primeiro sol sem vocábulos, um belo lugar para brilhar!
Os títulos perdidos são imperdíveis! Houve uma época que eu fazia camisetas para vender com frases recolhidas de poetas amigos meus, O meu fígado não é isca, abutre! seria uma das eleitas, certeza!
Purê de luzes deu quase para sentir o gosto refrescante, entre o verde mentol metálico e o laranja fosforescente...
o estudo com os lápis aquareláveis (na adolescência, gastei tudo o que tinha para ter uma caixa de caran d'ache com 30...)ficou bastante equilibrado, você fez relevos com as cores... ficou bonito.
Abraços!
Ontem eu li este poema e não consegui comentar. Novamente hoje as palavras em fuga, me traem.
ResponderExcluir"Quero fulgir na alça do primeiro sol sem vocábulos." - Mas dirão que sou louca nesse tanto querer. Esse poema me tocou de maneira singular. E poderia ser - "Amanhã, amoras".
Belíssimo!
Imenso abraço
Marcão,
ResponderExcluirtambém ando colhendo cacos...
vou roubar suas duas sugestões de títulos pro meu post "amor", tá liberado?
abração!
"Ser o curador da galeria de todas as inutilidades". Sinto muito mas eu já ocupei a única vaga!Vai ter que procurar outra coisa para ser.
ResponderExcluir:)
Seus versos e segmentos andam impossíveis!
Maravilhoso!!!
Bjs
Rossana
Caríssimo, oxalá você encontre a sua "Pasárgada" pessoal e intransferível.
ResponderExcluirA copmposição e as cores da obra pictórica também me encantaram.
Abração.
É, às vezes um título tem muita importância.
ResponderExcluirTenho voltado prá reler este poema que me engoliu, enquanto eu o mastigava. Meu Deus ele é um mar inundando tudo. Não me canso. Posso guardar?
ResponderExcluiroutro abraço
Adorei. Adorei tudo. Tudo muito intenso.
ResponderExcluirtemos um bilhete e desconhecemos o destino
ResponderExcluirBeijos
Laura
Olha Marcantonio, até podes "ir para longe"...
ResponderExcluirnós "deixamos", risos: desde que continues compondo(e descompondo), "trocando dúzias de palavras raras" e "deixando-as nas margens da estrada".Afinal,o poeta não seria um amálgama
dele com os seus leitores? E nós, como ficaríamos?
Beijos
P.S.: enviei um e-mail pra ti no dia 18.8.10 com Regulamento de um Concurso de Poesia, do Instituto Maximiano Campos, ligado a FLIP, de Parati(RJ). Não recebeste?
"Quero ser eu mesmo o pastor e o rebanho
ResponderExcluirEm pastos baldios e não loteados."
Muitas vezes essa plenitude me faz falta, posto que sou tão segmentada.
Fiquei encantada... na minha concepção, tradução perfeita da ânsia pela paz interior poetizada de forma mágica.
Seus títulos perdidos são inspiradores e seu "estudo com lápis aquarelados" é "refrescante" e dá vontade de caminhar por ele.
Beijos, e uma semana cheia de paz e realizações.
caro poeta, arquitecto, pintor, escultor... :) e amigo marcantónio,
ResponderExcluiracabo de receber um selo-distinção de uma bloguer amiga, a jb, que sugere que o repasse a bloguers que gostasse de distinguir. ousadia esta a minha; o pároco a distinguir o papa!?... a verdade é que a admiração pela tua obra me fez logo pensar em ti, pelo que to deixo aqui. confere lá no viagens.
um forte abraço!
Caros amigos, não pude, outra vez, responder individualmente aos comentários desta postagem. Tentarei fazê-lo na próxima.
ResponderExcluirUm agradecimento encarecido a todos que aqui participaram com seus comentários.
Abraços!
Se você virar mesmo curador de uma galeria de inutilidades, eu espero ter a chance de expor algumas coisinhas por lá. =))))
ResponderExcluirLindo poema, adoráveis títulos que viraram poesia. =D
Beijo!
Plenos são teus poemas, alcançam extremos planos, nos quais me deleito ao embarcar. Mas este, de longe, tocou-me de uma forma intrínseca.
ResponderExcluirAmanhã, cerejas. Hoje, hortelãs.
Um cesto de beijos!
Aqui pode-se afiar os dentes-de-lobo, com serpentes no tornozelo.
ResponderExcluirEstes títulos perdidos são viagens completas.
Um grande abraço.