Como ter a disponibilidade criativa e lúdica de um anônimo construtor de castelos de cartas que se submete apenas às injunções do próprio medo (sagrado medo!) de que eles desabem diante dos seus próprios olhos?

sábado, 6 de fevereiro de 2010

4'33''



Se você não é familiarizado com música de vanguarda do século XX, é provável que nunca tenha ouvido falar e vá achar, a princípio, que o vídeo está com algum problema. Mas é assim mesmo. Trata-se de 4’33’’, uma peça do americano John Cage apresentada pela primeira vez em 1952. A intenção básica do autor era investigar a verdadeira natureza do silêncio, no caso, a “música” incorpora os ruídos da sala e aqueles provocados pelos ouvintes. Antes de “compor” a peça, Cage chegou a meter-se em uma câmara especial em busca do silêncio absoluto, não encontrado, é claro, pois ainda ali podia ouvir o seu próprio coração bater. Enfim, a música estava salva, pois sempre haverá algum ruído que possa ser tomado como música. Parafraseando um famoso dramaturgo inglês, é muito silêncio por nada. E é provável que depois de ouvi-la, leitor, as suas idéias ou sensibilidade a respeito do universo sonoro não se modifiquem um milímetro.  É uma daquelas coisas que pode até ter tido sentido histórico, como a exposição de uma sala vazia, feita pelo artista francês Yves Klein, na década de cinqüenta, mas que, no fundo, você “sente” não passar de uma bobagem que exige de nós uma concessão mental, o que só não é admitido por pudor intelectual de cometer uma heresia. É necessário fingir compreender. Eu gosto de música contemporânea. Gosto do próprio Cage, e simpatizo com as idéias zen-budistas que ele professava, mas... Ele chegou a dizer que 4’33’’ era a sua obra mais importante, o que lembra a idéia de Nietzsche de que “os artistas ignoram o que melhor sabem fazer”.
Se você preferir, há versões para orquestra. A grande questão é saber qual foi até hoje a melhor. Mas, desconfio que deva ter sido a primeira. Por outro lado, diante do que se ouve hoje em dia em termos de música, até que a peça de John Cage tem lá os seus encantos. E também é bem melhor do que ouvir o “Helicopter String Quartett” de Stockhausen.

Um contraponto interessante: em 1772, Haydn compôs a Sinfonia nº 45, apelidada "Do Adeus" em função de no seu último movimento os músicos irem se retirando de cena, aos poucos, só restando ao final dois violinistas que também se retiram deixando atrás de si o silêncio. Este estratagema teria sido usado por Haydn como forma de chamar a atenção de seu protetor, o príncipe Esterházy, para as queixas de seus músicos que não suportavam mais a distância de suas famílias  devido às longas temporadas. Essa solidariedade de Haydn nos proporcionou um momento curiosíssimo na história da música. Abaixo, um vídeo com uma versão bem humorada regida por Daniel Baremboin: 


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