POEMETO
Um poema pode surgir de outro
que ficou na estrada, morto.
UMA CÂMERA QUE VAGA
Concreta vivência:
o sol na pele
e o suor inodoro
da indolência.
O vento musicando
a tarde,
com um minueto dançado
pelas sombras, na areia.
A inciência banal
alimentando a vista,
uma câmera que vaga
sem cinegrafista.
O silêncio verbal:
mais ouvir que falar
por hábito;
e se tal for preciso,
ser monossilábico.
Tudo coisificado,
e sem filosofar:
substantivos concretos
como este cigarro
que divido com o ar.
SOL-LUA-SOL
Eu me desfiz dos relógios
e sua solícita crueldade!
Uni as frações das horas
numa ponte
que atravessa o meu dia
entre dois extremos signos:
sol lua
Calendário carnal,
meu corpo anota por si
o retraimento da vida.
UNIDADE
Súbita no cotidiano,
uma epifania:
as células de todas as coisas
se abrem
como pálpebras de uns olhos
benevolentes.
E neste momento
a linha do tempo
se enrola
e suas pontas desaparecem
no emaranhado:
Seria uma eternidade?
FIGURA INFIEL
O sono é um trem no horário
que parte sempre sem mim.
O tempo interno me ilude?
No rosto ardido de frio
resíduos de juventude
sob as pálpebras cansadas:
as finas veias azuladas...
E esses lábios que arquitetam
um tal sorriso distorcido.
Por que afinal me assemelho
à figura infiel do espelho
com semblante impressentido?
RETRATO
Teus olhos são oratórios
de onde a luz ergue uma prece.
RETORNANDO
Uma vez mais as ondas do mar,
metáforas da vida falha:
na margem, perdulárias,
ruidosa espuma espalham.
Força exaurida, mas refém
da urgência em retornar
do limite que fica aquém...
VISÕES
Vejo o que não aflora:
figura contra fundo invisível:
a cor que não tem aura:
o contorno que não retorna:
e a linha que ampara
o inconcebível.
SEM MEMÓRIA
Se eu não tivesse memória
e não retornasse jamais
a qualquer pensamento,
seria como uma duna
que se desfaz e refaz ao vento.
O QUANTO BASTE
Chega de filosofia!
Nada mais de aporias!
Quero apenas a canção-reflexo,
diária,
lavrada em palavras curtas,
diminutas
pedrinhas de mosaico.
Quero ser do meu tamanho.
Uma aquarela de Klee me bastará!
O teto da Sistina é celeste e inalcançável...
PARA LER EM VOZ ALTA
Explique-me o que é o silêncio.
Você sabe o que é o silêncio?
Sabe o que é o silêncio?
O que é o silêncio?
Que é o silêncio?
É o silêncio?
O silêncio?
Silêncio?
(?)
( )
()
terça-feira, 2 de fevereiro de 2010
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Duas razões de estar aqui: mesmo não sendo autorizado a declarar quem é ou não poeta, afirmo-lhe que se quem cunhou estas pérolas não for poeta... o que é então? No mínimo, um artista plástico a (re)matizar palavras...
ResponderExcluirSegunda razão é pra dizer que muito me honra a possibilidade de estar presente em seu blog com um link pras minhas impressões meio descomprometidas do mundo, mas muito comprometidas com essa humanidade de que você fala.
Vamos lá...
Grande abraço!