Como ter a disponibilidade criativa e lúdica de um anônimo construtor de castelos de cartas que se submete apenas às injunções do próprio medo (sagrado medo!) de que eles desabem diante dos seus próprios olhos?

sábado, 10 de abril de 2010

Pássaro, passa, passará...

Eu não deveria ter de buscar o sentido das coisas. Ele deveria me ser dado tão franca e naturalmente como o ar que me adentra pelas narinas e preenche os meus pulmões, se incorporando ao que quer que eu seja.
Mas sou tolo o bastante para, se algo cheira mal, querer saber do que se trata.

Não me bastaria apenas ver esse pássaro súbito e anônimo que atravessa o quadro da minha janela sem ter de nomeá-lo? Mas, porque suponho que ele retornará, que possua semelhantes, que tenha genealogia e que siga um intuito, eu o nomeio como ser e não como evento: pássaro em vez de passou ou passará. Assim suponho que o retenho, pássaro que fica, pássaro substantivo.

Não traímos a coisa quando fazemos o intercâmbio entre seu estado e seu suposto ser?

Sim, as coisas são levadas sobre a correnteza densa de um rio para longe-longe, onde cremos que elas ainda serão exatamente as mesmas. Mas o que importa realmente não é que, em sua fuga, as coisas estejam passando  diante de nós agora? Este momento nos pertence preso a nós, ou cada coisa traz e leva consigo o momento?

Eu me pergunto se a poesia se nutre desse suposto mistério por detrás das coisas ou de sua original obviedade que há muito decidimos ignorar...


















Monotipia s/ Título - Marcantonio

3 comentários:

  1. Excelente texto. Excelente reflexão, Marcantonio. Eu também sou tola o bastante. Nomeio, caracterizo o evento como ser, mas considero que seja mutável e de ser, torne-se um pode-ser. Ou um venha-a-ser. Eu acho que a poesia se nutre de tudo. Do mistério a obviedade, tudo é poesia, tudo torna-se poesia. Tudo reverbera. Mas claro, depende sempre do olhar do poeta.

    Incrível. Poucos textos me fazem ir embora com a cabeça a mil. Obrigada.

    Beijoca

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  2. Oi, Marco,

    Cada momento me pertence e o (re)construo consoante minhas emoções.Tento impedir que as coisas sejam levadas pela correnteza...como antes.

    Beijão .Adoro teus escritos.

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  3. obrigado pelo comentário ..ja visitarei teu espaço com mais tempo ..por enquanto fica uma assinatura pendente...abraços!!!

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