Como ter a disponibilidade criativa e lúdica de um anônimo construtor de castelos de cartas que se submete apenas às injunções do próprio medo (sagrado medo!) de que eles desabem diante dos seus próprios olhos?

quinta-feira, 29 de abril de 2010

No Miolo Dos Livros

1

Como é bela
a página que se amarelou
atravessando tantos outonos.

Folha que não caiu,
como se permanecesse
entre a flora viva.

2

Algumas retiveram
a pálida silhueta
de marcadores
tardiamente removidos:

Involuntário rubor
pela dissidência do leitor.

3

Espremida entre as páginas,
mata-borrões da seiva viva,
a flor secou, trancada
na escuridão bidimensional.
Mas urdiu à força
uma ilustração intrusa
e temporal.

















Monotipia s/ título - Marcantonio

26 comentários:

  1. No miolo dos livros e nas epifanias do poeta. Muito bom.

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  2. São tantas as memórias guardadas no âmago do livro, que o coração do escritor pulsa nas folhas. A arte compõe como a completude de esferas.
    abraços

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  3. As páginas amarelas contam estórias que nunca vão morrer, se forem transferidas para as cabeças das pessoas em tempo.

    Bjo.

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  4. Marequinho, aqui o artista plástico se une ao poeta, e o efeito, no poema, é muito bom.

    "...a flor secou, trancada
    na escuridão bidimensional.
    Mar urdiu à força
    uma ilustração intrusa
    e temporal."

    O máximo isso!!!

    Abraços

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  5. Rodrigo, muito obrigado. Dê uma certa forma você fez um link, não é? (Rs). Que seria de nós sem as epifanias que nos assombram e intrigam? Digamos, no miolo da vida as epifanias dos poetas!

    Grande abraço.

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  6. Mai, essa relação entre autor e obra dá sempre o que falar. Podemos ver a obra, talvez, como um sítio devoluto do qual o autor se apossou, no qual trabalhou a terra,e de onde se ausentou, esquecendo definitivamente o caminho de volta. Para completar, sente que suas terras foram desapropriadas para fins de reforma agrária! Ainda bem! Sério, o coração é posto em tudo, mas não deixa vestígios tão nítidos como as digitais.

    Abraço.

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  7. Kenia, realmente. E há uma espécie de militância ecológica em favor dos livro quando desdobramos a leitura que fazemos deles. E é espontânea!

    Que a sua simpatia retorne sempre aqui.

    Beijão.

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  8. Tânia, você me fez lembrar do dito de Horácio (caramba!), "ut pictura poesis" (a poesia é como a pintura). Idéia que não se aceita mais, é claro. Mas tudo são imagens com texturas diferentes, né? As da poesia com um foco mais impreciso e, talvez, mais fecundo. No meu caso, acho que o artista plástico reclama, por antiguidade, direitos sobre o poeta suspeito.

    Abraços.

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  9. Marco, acho que poeta é poeta, seja qual for o canal de expressão. Poeta é poeta até mudo. Um olhar versifica tanto, né não?

    Ah, olha lá, que meu novo post ofereci a você!

    abraços

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  10. No miolo dos livros eu sempre encontrei o pão, meu sagrado alimento. abraço

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  11. Tânia, você está certa. A poesia é o substrato e a meta de toda linguagem artística. Nossa! E como o olhar versifica!

    A sua homenagem me emociona.

    Um abraço, querida.

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  12. Olá Assis, e certamente esse alimento faz parte do metabolismo que mantém viva a sua poesia. Essa admirável poesia que você irá dividir conosco em mil e uma ceias.

    Abração.

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  13. Um aparte:
    Diz você em seu perfil,ser um pessimista esperançoso,eu que sempre me disse ser uma otimista compulsiva,ficava pensando pq se otimista sou,estou sempre sendo acometida por cismares e melancolias.Encontrei aqui a resposta.
    Não sou otimista nada,sou uma pessimista que teima em ter esperança.......assim como você.
    Gostei deveras daqui
    Volto......pra te ler "inteiro"

    afagos

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  14. Marcantonio
    Adoro páginas amareladas! Parece que contam histórias mais vividas... E, talvez, eu legisle em causa própria...rsrsrs...
    Lindos versos! lindos!

    Um forte abraço

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  15. Denise,o pessimista esperançoso, pra mim, é aquele que julga que tudo é incerto, para o bem e para o mal. Não quer controlar o acaso,mas se reserva a possibilidade casual de ser desmentido pela ocorrência de coisas boas, como a sua visita aqui, por exemplo.
    Volte sim. E obrigado.

    Um abraço

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  16. Sim, Zélia, elas amarelam porque permanecem vivas, contando histórias do que sempre fomos.

    Retorne sempre, com a sua simpatia e jovialidade!

    Outro forte abraço.

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  17. Olá Cris! Seja bem-vinda!

    Obrigado.

    Abraço.

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  18. Marcantonio, se teu filho já está conhecendo o Cure... então vai ser dos nossos..rs... coisa boa encontrar coincidências ao acaso...

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  19. É, Sonia, e ele tem talento musical. Quanto a mim, como testemunha auricular da época (rs),não há como esquecer o Cure, mas atualmente estou mais para ouvir outras coisas, como o Villa-Lobos, por exemplo, de quem você tão bem falou.

    Abraço.

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  20. Olá Inês!

    É tudo ensaio por aqui. Que bom que você tenha gostado.

    Outro abraço!

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  21. Maravilha Marcão!

    São por essas e outras que eu acho esses leitores de e-books (kindle e iPad) tão frios...

    Eles não nos permitem experiências desse tipo! Dá pra cheirar um livro, mas não dá pra cheirar uma máquina...

    Grande abraço!

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  22. É, Fouad, pode até ser que para o autor, ou para o leitor que se pretende objetivo, o livro seja apenas conteúdo. Mas para o leitor mais sensível ele possui outros apelos sensórios que também geram memórias. Mesmo que a máquina tivesse cheiro, seria o mesmo cheiro para todas as edições, né? Perderíamos essa identidade física dos exemplares.

    Aquele abraço!

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  23. menino, que coisa linda foi esta ? "Posérpina deve ter adormecido mármore e despertado carne..." . dá nome pra livro, pra poema, pra nova obra... lindo lindo... depois vou usar no blog (com os créditos à ti, mas vou usar...)

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  24. Oi Sonia. Sei lá, saiu na hora. Deve ser a beleza da escultura de Bernini. Da forma que você a mostrou, de fato, perece de carne e osso. Fique à vontade para usar.

    Abraço.

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