Em diferentes períodos da minha vida me decidi a iniciar um diário; mas por motivos que nunca me pareceram claros, essa intenção jamais ultrapassou a redação das primeiras páginas. Seria falta do que relatar ou sobre o que refletir? Não creio. Talvez deva culpar uma certa indolência ou minha tendência de não levar adiante muito dos projetos a que me proponho por falta, diriam alguns, de disciplina.
Pois parece que um diário requer dedicação disciplinada e assídua. Mas por que? Teremos sempre algo digno de ser mencionado a respeito de todos os dias de nossas vidas? Valerá a pena registrar qualquer ninharia? Mas, afinal, a quem se destina um diário senão ao seu próprio autor? Pretender mais do que isso seria falsear, ou pecar por presunção, adotando um tom confessional, digamos, moderado. Por outro lado,por que escrever sobre algo que, a rigor, só deveria interessar a nós mesmos se já o trazemos em estado bruto dentro de nós? Toda escrita não é uma forma de extroversão? Neste ponto eu não resisto à citar Montaigne, o que, aliás, pretendo fazer bastante neste espaço, pois se trata de um dos meus autores de cabeçeira:
"Dirão que tomar a si mesmo como assunto de uma obra é desculpável, mas somente quando quem o faz é um indivíduo excepcional e célebre, cuja reputação pode inspirar a alguém o desejo de conhecê-lo. É certo, e eu o reconheço, que para ver um homem que não se distingue do comum um artesão não erguerá sequer os olhos, quando para assistir à chegada de um grande personagem abandonará sua oficina ou sua loja. Não assenta bem a ninguém dar-se a conhecer, senão àqueles que têm como provocar imitadores, e cuja vida e opinião se apresentem como modelares".
Ah, se Montaigne pudesse nos fazer um visita rápida, perceberia que nesta nossa época de culto à celebridade, não é necessário ser nenhum personagem modelar para granjear o fascinio de milhares de admiradores. Mas, voltando ao século XVI, Montaigne, no mesmo ensaio, Do Desmentido, escreve:
"Só tenho contato com o público porque me sirvo da escrita impressa, mais rápida e mais cômoda do que a escrita comum; em compensação, talvez o papel que eu lhe forneço impeça que algum dia uma porção de manteiga se deteriore no mercado:"dessa maneira os atuns e as azeitonas não carecerão de invólucros" (Marcial). "Fornecerei às sardinhas uma vestimenta em que estarão à vontade" (Cícero)".
Sim, sim, é provável que atribuamos a nós próprios uma importância maior do que de fato temos, como se tivéssemos uma vida pública cuja descrição merecesse a consideração alheia; e talvez um diário expresse essa pretensão ingênua de que nossa nossa existência transcenda seus próprios limites.
Mas posso superar todas essas considerações se me dispuser a imaginar o diário como uma espécie de classificador pessoal de idéias e proposições, na capa do qual possamos colar uma etiqueta com os dizeres: A Quem Interessar Possa. Na verdade, sempre me faltou capacidade para organizar as minhas idéias, para filhiá-las. E uma idéia solta geralmente nos escapa, ou passa a conviver anarquicamente com outras de gênero diverso, até perder vitalidade ou, digamos, perder a hora. Talvez um diário seja apropriado para coordenar um pouco esse convívio inquieto das idéias.
Marcantonio, os momentos que passei em seu blogue têm um grande significado para mim...
ResponderExcluirVocê é um poeta e tanto!... Um, que não se exprime só através das letras... Suas monotipias, seus estudos de movimento, - maestros, capoeiristas, esportistas -, estão plenos da sua poesia.
Desde muito jovem, eu gosto de desenhar.Mas meus desenhos são absolutamente amadorísticos. Atrapalho-me com luzes e sombras. Em verdade, é o mesmo problema que encontro quando escrevo alguns textos poéticos. rsrs
Maravilha, em meio a este estranho mar, esbarrar numa obra como a sua.
Olha, não pude deixar de rir quando li o título "Outras das minhas tentativas poéticas" Tentativas? Imagine!
Deliciei-me com o seu "Trajetos"
"Esforço-me por desviar
a linha circunferente
da minha vida banal,
para, quiçá,
torná-la uma espiral."
E levo, no coração, seu "Visível".
"Enfim, chega um dia
em que a alma
se enclausura na face:
forma-se um casulo
rígido
do qual
nenhuma borboleta
nasce."
Poeta, parabéns! Nem vou comentar o post aí em cima... Você tem mesmo é que compartilhar. E eu só posso agradecer por isso.
Bjs e inté!
ps - Essa, fico devendo à Andrea.