Como ter a disponibilidade criativa e lúdica de um anônimo construtor de castelos de cartas que se submete apenas às injunções do próprio medo (sagrado medo!) de que eles desabem diante dos seus próprios olhos?

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Coincidência para Matar a Saudade

Há dias, na casa de amigos queridos, assisti ao primeiro filme do "Decálogo" de Kieslowski. Fascinante. Na noite seguinte, ao passar pelo canal Futura, reconheci imagens de alto teor poético: estava sendo exibido A Dupla Vida de Véronique. Não fiz pouco caso da coincidência e assisti uma vez mais a esse filme belíssimo. Dizer que aprecio o cinema de Kieslowski seria pouco. Seus filmes me deixam num estado de alerta estético, pois cada imagem parece ocupar o lugar de uma palavra num poema; há sutilíssimos vínculos que podem ser descobertos a cada exibição. E desconfio que poderia assisti-los com prazer partindo de qualquer cena, pois é mais uma questão de sentir do que propriamente entender, e sempre temos a sensação de sermos arrebatados por uma atmosfera integral, profunda. Poesia, metafísica, sentidos flutuantes que podem se inverter subitamente ao mapear as relações dos seres humanos entre si e com os "mistérios" de um mundo tomado por objetos nunca banais.

O filme trata da inquietante noção de duplo. Duas mulheres (interpretadas por Irène Jacob) aparentemente iguais, uma polonesa, Weronike; a outra francesa, Véronique. Ambas lidam com música e têm a estranha sensação de que jamais estão sozinhas. Acompanhamos, a princípio, a vida da polonesa que morre de um ataque do coração em plena apresentação como solista em um concerto. Neste ponto a ação muda para a França, onde a vida de Véronique parece mudar de rumo.

A trilha sonora do filme, composta por Zbigiew Preisner, inacreditavelmente bela, se torna também personagem e atinge um climax maravilhoso na cena da morte de Weronike. O compositor foi colaborador assíduo de Kieslowski.
Em uma dessas estranhas sincronicidades tão caras a ele, Kieslowski também morreu de ataque cardíaco em 1996.

Abaixo, a cena da morte de Weronike e, em seguida, o belo trecho das marionetes, espécie de intermezzo poético que mostra de maneira simbólica a morte no palco e um renascimento, além de dar início ao interesse de Véronique pelo misterioso performer e escritor.



2 comentários:

  1. Adoro a Irene Jacob. Já coloquei no Mínimo Ajuste uma imagem dela no cabeçalho, a do A Fraternidade é Vermelha!

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  2. Gosto demais do Fraternidade é Vermelha. Aquela idéia sobre o juiz que ouve a conversa dos vizinhos é extraordinária.

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