Deve haver algo de peripatético no processo como algumas idéias obsessivas me ocorrem. Talvez o ato de caminhar esteja para a propulsão do meu pensamento por sendas extravagantes, assim como manivelas e mecanismos de dar corda estavam para os antigos brinquedos móveis ou as graciosas caixinhas de música.
Não disponho de um bosque ou jardim de Apolo Lykeios próprio para as minhas “especulações”. Costumo ser acometido por elas na via pública, justamente quando saio para alguma obrigação de ordem prática, geralmente maçante. Basta dar os primeiros passos da caminhada para que me ocorra um tema e logo me ponha a desenvolvê-lo como um monólogo. Se o que resulta parece valer à pena, é preciso repetir, sublinhar mentalmente para diminuir as possibilidades de que tudo se perca no momento em que, ao chegar ao meu destino, eu tenha de voltar à “realidade” cotidiana.
Mas, esse risco de esquecer uma informação supostamente preciosa é, por mais estranho que possa parecer, algo excitante e educativo. Afinal, por que as minhas idéias deveriam ter o privilégio, que a minha vida não possui, de se por a salvo da fatalidade e do conseqüente esquecimento? De forma que me entrego ao jogo da casualidade; mesmo porque, creio que há dois tipos gerais de idéias: aquelas que são quase orgânicas, de tanto que parecem fazer parte da nossa estrutura, como essenciais ao metabolismo; e as demais, que se comportam como peças de vestuário, nós as vestimos e despimos naturalmente. A possibilidade de esquecimento nos ajuda a separar umas das outras: se for uma idéia importante, ao menos para mim, ela será resgatada, pois há um vazio que a requisita. No mais, que falta irreparável poderia me fazer um par de meias ou uma camisa bem talhada, por maior que fosse o apreço circunstancial que eu lhes dedicasse?
Agora, se o tipo de lugar por onde caminho pudesse influir na natureza dessas idéias súbitas e na sua posterior comunicação, nesse caso gostaria de caminhar na praia. Talvez uma praia cujas características estivessem entre as próprias das praias urbanas e das praias desertas, quase selvagens. Pois, se não me agrada falar daquilo de que todos falam com uniforme freqüência, também não almejo dizer algo que ninguém queira ouvir.
Marinha - José Pancetti
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