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Como ter a disponibilidade criativa e lúdica de um anônimo construtor de castelos de cartas que se submete apenas às injunções do próprio medo (sagrado medo!) de que eles desabem diante dos seus próprios olhos?
:estende-se a campina desolada: e eu aprisionado na sua ausência de limites: os meus olhos estóicos não encontram obstáculos: não há uma elevação sequer para transpor: tudo se encontra ao rés do chão: nada é propriamente verde ou apropriadamente ocre: há apenas um verde fingido: verde-indo-embora sobre terra cinza ou marmórea: flores? tão pequenas que mal se notam: como animaizinhos rasteiros: não há lírios rosas ou outras flores supostamente poéticas: nem convém procurá-las ou pensar nelas: há aqui um silêncio tão profundo que incorpora os uivos gestuais do vento: e as miudezas ressecadas do chão rolam sem rangidos: os gravetinhos míticos: as folhinhas metafóricas: as sedentárias raízes teóricas: os ossinhos filosóficos: e fragmentos de cascos de quelônios gramaticais: receio estar perdendo a audição: ter os ouvidos selados: o sol imóvel sempre à pino: mas com raios filtrados de paisagens pintadas a mão livre: a minha pele os suporta bem mas os meus pés estão cansados de pisotear a sombra exígua do meu corpo: não há noite portanto e se houvesse eu enlouqueceria de frio mental: mas encontro grutas que trazem em si noites subterrâneas: não as freqüento muito porque lá me ponho a esboçar deuses inativos e bidimensionais incapazes de ressuscitar outras vozes: resta-me falar comigo mesmo: me fingir de outro: e me relatar as não-ocorrências num monólogo inabdicável: reto: um enorme fio com nós acumulados correspondentes a breves ilusões de ser ouvido: falo então e falo em silêncio enquanto caminho quase sem parar: andar: esquadrinhar: dizer: me desdizer: e quanto mais ando mais se regenera a plenitude da campina aterradora: a campina onipresente: a planura óbvia repetindo-se a si mesma com irônica crueldade na indistinção de um único e interminável dia de sol frio e exausto entronizado sobre a minha cabeça nesse céu intoleravelmente limpo de nuvens: de estrelas: de deuses: de anjos anunciadores: de pássaros: de insetos de: de: de nuances: andar: andar recitativo: andante: eis tudo o que há por fazer: andar/falar: estende-se a campina desolada e eu aprisionado nela:
Monotipia s/ Título - Marcantonio
Marquinho: você pintou com letras, como é possível isso??? Eu segui sua respiração, fiquei sem fôlego, presumi o que veio antes de você começar a dizer, ensaiei acompanhá-lo na frase silenciosa que se seguiu invisível e acabei decidindo que quero ler o primeiro dos livros seus, que precisa existir e seguir mundo afora: nossa, como gostei de ler isso!!!
ResponderExcluirFico na espreita, esperando um post no Diário...não é justo: um livro precisa nascer. Você é muito talentoso, tem estilo e sou superhiperfã!
abraços,
tania
Tânia, nem sei o que dizer. Já que você mencionou a pintura, acho que o artista nunca tem a visão isenta sobre o que produziu, está sempre vendo o quadro como um processo inacabado. Apenas o olhar do outro é capaz de visualizar a unidade de um objeto pronto.
ResponderExcluirEu só tenho que agradecer a você. Quanto ao livro, sei lá! Quem sabe? Talvez eu vá ganhando confiança por aqui.
Abraços.
O ponto de vista de quem está ao nível do chão... resta mesmo só o diálogo interior, felizes aqueles que têm cérebro!
ResponderExcluirOi Dalva! Mas em outros níveis há outros diálogos possíveis; alguns abstratos e essenciais, como os que mantenho com os seus poemas.
ResponderExcluirUm abraço.
Tu me fizeste viajar com esta descrição, amigo.
ResponderExcluirQue estilo que tu tens!
Lendo isto lembrei-me d'uma passagem de Memórias Póstumas de Brás Cubas do velho Machado de Assis onde o narrador-personagem descreve com muita clareza e sutileza um delírio que teve enquanto enfermo e tu fizeste tão bem quanto ele, se me permites a comparação!
Realmente estou deslumbrado com vosso texto, muito introspectivo e surreal. Realmente leva qualquer um que o ler a viajar nesse curto espaço de tempo necessário à leitura de suas palavras, um puro enlevo digno dos pinturas de Dalí.
Belíssima postagem, caro poeta.
Até mais ver.
Ô João, fico feliz com as suas palavras que conferem um tal poder evocador ao meu texto. Talvez eu tenha conseguido algo razoável aqui. Mas não permito a comparação,não. Eu não teria fôlego nem para embaçar o pincenê do Machado de Assis. Estou fazendo ensaios em níveis bem inferiores.
ResponderExcluirAndei dando uma olhada no seu blog, e achei a sua proposta bem interessante e bastante pessoal. O nome, de evocação arcádica, é muito bonito. Vou andar por lá com mais calma.
Grande abraço.