Minha querida:
Sou tão inábil para poemas de amor.
Poemas de amor são tão egoísticos.
Se eu tirasse uma foto tua
Já me bastaria como poema de amor.
Mas tu perceberias os meus olhos
Por trás da câmera fria?
Além do mais, a foto não me incluiria.
Como, então, ostentaria o meu amor?
Eu não te disse que poemas de amor
São sempre egoísticos?
Um poema de amor teria que incluir a nós dois.
Mas se tento descrever-te
Uso tanto o pronome pessoal eu
E o possessivo minha!
De fato, eu te disse que poemas de amor
São egoísticos.
Algo como enviar um cartão postal
Ao próprio remetente.
Por que recriaria a paisagem
Se a vejo da janela aberta?
Se me dirigisse a ti como a uma deusa
Colocaria entre nós todo o universo
E isso desagradaria a este pecador egoísta.
Não é o que digo? Poema de amor
É coisa egoística.
Como fazer, portanto, um poema de amor
Que não seja egoístico?
Poderíamos escrevê-lo a quatro mãos.
Sim, mas talvez as nossas mãos entrelaçadas
Estrangulassem o poema,
Desobrigando-se de terminá-lo...
Acaso seria esse o ideal poema de amor:
Quatro mãos decalcadas na matéria viva
Ignorando o redundante poema... de amor?
A possibilidade de fazer do amor um poema
Faz calar o meu poema de amor egoístico.
Então? Concordas que todo poema de amor
É um desperdício egoístico?
domingo, 16 de maio de 2010
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Marco! É claro que você me lembrou: "Todas as cartas de amor são ridículas..."
ResponderExcluirOutro dia escrevi que 'o amor peca pelo excesso e pela ausência' - poemas de amor são egoísticos e não-poemas são omissos. Eu vou sempre preferir o grito das palavras de amor ao silêncio duvidoso.
Esse poema está lindo e esta ópera que o acompanha?!!! Que beleza!! Amor pra ver e ouvir por aqui hoje. =)))
Beijo sempre carinhoso.
Belo poema, caro Marcantonio.
ResponderExcluirPena é que, cada vez que mais se insiste em transformar a complexidade do amor em poesia, sempre logramos por resultado clichês, chavões e lugares-comuns, não necessariamente nesta ordem apesar de serem a mesma coisa.
Nem mesmo toda a subjetividade e hermeticidade que a licença poética nos confere se faz suficiente ou eficaz para falar do amor de forma original sem soar egoísta. Mas o amor é egoísta, não é mesmo?
Sensatas palavras, caro poeta.
E até mais ver!
Hum...(pensando...), acho que sim, Marquinho, ao menos seu poema me convence de que o poema de amor é egoístico. Mas fixei-me nessa imagem do poema estrangulado:
ResponderExcluir"... mas talvez as nossas mãos entrelaçadas
Estrangulassem o poema...".
E por que um poema não pode ser egoístico? Esse você-poeta do qual sou fã pode tudo no poema, e egoístico ou não ele será (como o é sempre) instigante, belo!
abraços,
tania
Que bárbaro e generoso poema!!!
ResponderExcluirKenia, é verdade, eu me lembrei do Fernando Pessoa enquanto relia o que havia feito; ele deve ficar reverberando sempre lá no meu inconsciente.
ResponderExcluirEssa sua definição sobre os extremos do amor é exata, ele parece não encontrar nunca o meio termo. Mas se Blake diz que o caminho do excesso leva ao palácio da sabedoria...
E a área do Puccini foi posta aqui para dialogar com o poema: "Quem sou? Sou um poeta. O que faço? Escrevo. Como vivo? Vivo!". Belíssimo mesmo, né?
Obrigado, Kenia. Um beijo.
João, gostei muito do seu comentário. Digamos que o amor é, por sua grandeza, o caso por excelência em que o discurso está sempre muito aquém da vivência.
ResponderExcluirOlha, já corrigi na minha lista de blogs uma imperdoável distração.
Um abraço.
Tânia, você sempre seleciona os versos de que gosto mais. E você captou essa coisa do poema em tom argumentativo.Claro que o poema pode ser egoístico. Eu creio que a poesia é uma espécie de dialética dançante e libertária: afirma hoje, nega em seguida, reafirma depois, sempre através de configurações momentâneas. O poeta hoje diz: céu! Amanhã dirá: terra! E é assim que a poesia se torna instigante, ainda bem!
ResponderExcluirAbraços.
Bípede, obrigado pela visita. Fiquei refletindo aqui sobre esse adjetivo generoso. É palavra tão bela! Tem sentido tão exato na matemática flutuante da vida! Como se não tivesse signo, só significado.É, quis ser generoso sim com o amor que alcança mesmo os que não têm palavras para descrevê-lo. No início era o amor sentido, depois ele se fez verbo.
ResponderExcluirAchei o seu blog generoso. É irresistível criar um atalho para ele na minha lista de pluralidades.
Abraço.
Eu não me atrevo a dizer nada, observo e recolho-me ao silêncio. Abração
ResponderExcluirAssis, até o seu silêncio soa poético.
ResponderExcluirOutro abração.
Lindo poema, Marcantonio! Lindo! Tão absolutamente concreto nesta forma de monólogo e tão magníficamente subjetivo...Adorei!
ResponderExcluirum grande abraço, amigo!
Ô Zélia, obrigado.
ResponderExcluirOutro grande abraço.
Marcantonio, recebi o seu comentário no meu bípede. Mudei o título do post para: E não seria um Caravaggio? Quando estava vindo para casa, vinha pensando que o título precisava de um complemento. Que boa surpresa encontrá-lo no próprio blog a esperar por mim. Um presente inesperado:) O seu link já está no meu. Vamos manter contato. Abraço. Bípede
ResponderExcluirBípede, se você julga que contribuí de alguma forma, mesmo involuntariamente, fico feliz. É uma imagem tão bela aquela.
ResponderExcluirClaro que manteremos contato.
Abraço.
Olá meu caro autor, interessante reflexão em forma de poema, posto que o amor tem mesmo seu lado narcisista, pois é necessário amar a si mesmo primeiro para que possamos amar o outro... Obrigada pela amável visita e gentil comentário em meu cantinho. Grande abraço.
ResponderExcluirCaro autor, obrigada pelo interesse e gentileza em acompanhar meu trabalho. Grande abraço.
ResponderExcluirÚrsula, parece estranho ser chamado de autor. Sim, o narcisismo, mas em alguns seres ele é tanto que impossibilita o amor ao outro, como diz o próprio mito.
ResponderExcluirOlha, visitar o seu blog foi muito prazeroso; gostei bastante do que você escreve.
Um abraço.
Adoro a lucidez da sua poesia, Marcantônio! Seus versos são chamativos e gostosos de ler.
ResponderExcluirMeu aplauso!
Pablo, obrigado mais uma vez. Mas as vidraças da minha lucidez costumam se embaçar também.
ResponderExcluirAbraço.
Simplesmente LINDO o seu poema de amor egoístico. Sempre que escrevo para o meu amor, paro por um instante para me perguntar se realmente deveria estar escrevendo, porque fazer um poema tem um quê de lógico e o amor é sempre espontâneo e desregrado. Parece quase uma contradição, 'poema de amor'. Poema é elaborado, pensado. Amor é um estado, inevitável.
ResponderExcluirAline, o final do seu comentário, realmente, diz tudo. Pode haver uma intencionalidade no poema que é improvável no amor.
ResponderExcluirObrigado.
A maneira que você retrata o amor é o que torna este poema especial! Amei de verdade!
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