terça-feira, 18 de maio de 2010
Três Poemas de Maio
SEM ERRATA
Sou e serei sempre errático.
A economia de palavras e linhas,
Amealhadas sob o colchão,
Paga a minha entrada, pelos fundos,
No fantástico show do dia-dia.
Enfrento o aluvião de luz
Usando óculos escuros,
Meus guias noturnos.
Nas vias públicas
Transporto um porão portátil
Como guarda-sol.
Antes de sair,
exponho o avesso
Dos bolsos,
E afino o silêncio
Da minha nuca.
(Minhas pontes falhas
São todas desgarradas do chão.)
Não cumpro o contrato
De não observar os bastidores da vida:
Velho precoce, espio a nudez pálida
Dessa suzana desinibida.
OUTROS ARES
Dá-se a vertigem assim:
Atmosferas intermitentes
Ocorrem dentro de mim:
Eu (trans)contido nelas
Como núcleo dessas células.
Uma encruzilhada de perfumes,
Outra nuance da incandescência
Solar,
Uma nesga marinha esverdeada,
Esse tanto bastará
Para unir duas inexistências
Com a mesma linha pontilhada.
CONTEMPORÂNEOS
Nos rostos que me acompanham
Eu encontro os sucedâneos
Das minhas próprias perdas.
Serão outros ou são esses
Os meus contemporâneos
Em caminhos e atitudes,
Se em seus espelhos cutâneos
Já não mostram o instantâneo
Reflexo da juventude
Com ânimo e fortaleza?
Consumiram tempo igual
Ao que tenho consumido?
Disso não tenho certeza.
Tintoretto - Suzana e os Velhos - Óleo sobre tela - 1555
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Serei Poeta?
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Marquinho, detive-me, em igual proporção de tempo, atenção e deleite, aos três poemas. Mas, amigo,ah..."e afino o silêncio da minha nuca"...Voltei à expressão, e voltei e voltei. Há qualquer coisa aqui que me diz em palavras algo que eu não pude (e precisava) dizer. Não, não sei do que se trata (ainda não), mas fico pasma com o que você diz. Muito do que você diz é um segredo seu, não sei como vem e é perturbador. Porão portátil... Vi-me tão fortemente no Sem Errata que desassossegou!
ResponderExcluirVocê não imagina como ler seus versos às vezes é imprescindível.
Abraços,
Tânia
Você é fabuloso! Li esses poemas ao som de "La despedida", do filme "O amor nos tempos do cólera" e viajei na maionese. Entrei em alfa. Esse tanto bastará... que máximo!!!
ResponderExcluirTrês maravilhas de maio, deveria ser o título dessa postagem. E você não se diz poeta. Como??? Gostei de todos, especialmente o segundo. Acho que imagens simples sempre atraem a minha atenção, como por exemplo:
ResponderExcluir"Uma nesga marinha esverdeada,
Esse tanto bastará
Para unir duas inexistências
Com a mesma linha pontilhada.
Isso é muito singelo, e me arrancou um sorrisinho que você bem devia ver pra entender.
O último me fez pensar na coisa que mais me apavora nessa vida: envelhecer. Putz... quem caminha vai inevitavelmente chegar ao final de alguma estrada um dia, não é?! Não dá pra fugir disso. Mês que vem eu faço aniversário, você me lembrou disso. =$
Beijo sempre carinhoso. =*
PS.: é doçura demais que você deixa lá no Poesia Torta. Como agradeço? Eu tento. Eu tento. =*
" Minhas pontes falhas são todas desgarradas do chão." Que imagem!!!
ResponderExcluirTânia, o melhor dos comentários é que eles me fazem reler os poemas. O que eu digo torna-se um mistério até para mim mesmo. Lidar com as palavras é como afundar balões dentro d'água. Com "afinar o silêncio da minha nuca" pretendi(?)expressar o desejo de aprimorar o próprio anonimato, desaparecer de bolsos vazios no meio da multidão, das ruas. Mas, de repente, tem outros sentidos, não é?
ResponderExcluirA sua sensibilidade desdobra essas coisas que escrevo.
Abraços.
Dalva, eu vou guardar esse seu comentário junto daquela carinhosa mensagem sobre as alfaias e filigranas de vernáculo. Lembra? Coisa que me toca especialmente.
ResponderExcluirAbraço.
Kenia! Meu irmão mais velho, que tem trocadilhos muito inspirados (foi o primeiro seguidor deste blog) costuma dizer que não faz mais aniversário e sim adversários! Eu me preocupo, claro, com o tempo. Mas a gente tem que encontrar um forma Zen de chamá-lo à dança. Rápidas danças diárias enquanto a música caminha para o silêncio.
ResponderExcluirNão precisa agradecer nada não. Eu apenas reflito, comovido, a doçura que encontro no Poesia Torta.
Beijão.
Bípede (poxa, é difícil me acostumar a chamar alguém usando uma definição como nome, fica parecendo aqueles chamados de rádio entre pilotos nos filmes; mas me acostumo logo ), prazer vê-la aqui. Também gostei dessa imagem; falo como o pintor que se afasta para ver melhor. Não sei a razão, mas essa imagem de ponte vai e volta. No segundo poema eu ia usar "ponte entre duas inexistências", mas optei por linha pontilhada.
ResponderExcluirAbraço
Pois sim, caro Marcantonio.
ResponderExcluirBom é, às vezes, viver sem corrigenda e fugir amiude da reprimenda. Encante-me com vossas palavras tão soltas e descomprometidas ao mesmo tempo tão líricas e harmoniosas. Híbridas, leia-se então.
Acho que a amiga Kenia já o disse mas tenho eu que também mostrar minha identificação com estes versos:
"Uma nesga marinha esverdeada,
Esse tanto bastará
Para unir duas inexistências
Com a mesma linha pontilhada."
De simplicidade tamanha ao mesmo tempo possuem descomunal profundidade me chamaram também a atenção.
Ou ainda clamo e estes:
"Nos rostos que me acompanham
Eu encontro os sucedâneos
Das minhas próprias perdas."
Belos versos caro poeta. Nada como as palavras de um poeta para embalar as ideias de quem bebe das palavras de outrem a sua própria inspiração.
Abraços!
Tem um quê de ensaio (no sentido filosófico) em teus versos. A existência em um prisma de luz, lembrando a capa do The dark side of the moon, que reverbera em palavras. Como se elas fossem feitas para alcançar em outra escala, a escada, aquela do Starway to heaven. Abração
ResponderExcluirJoão, obrigado. É bom ler você até aqui nos comentários. Realmente, talvez as minhas palavras sejam bem definidas como híbridas. Pensando bem, é provável que toda palavra seja híbrida na tão falada relação signo/significado. Sei lá.
ResponderExcluirUm abração, João.
Assis, obrigado. Rapaz, o problema é que se o ensaio se aprofunda, a poesia se retrai, né? Poetas são aqueles que acariciam a pele das palavras sem asfixiá-las, e não desajeitados como eu que as prende como insetos com alfinetes no tal do sentido estrito.
ResponderExcluirAbração.
Marcão!
ResponderExcluirNão queria passar batido, mas estou raso raso...
Esse véio que espia a Suzana é um tarado!
(comentário tacanho, depois eu compenso...)
Abração!
O preferido: Contemporâneos!
ResponderExcluirMarquinho, discordo totalmente da sua colocação acima. Suas palvras não são asfixiadas não, elas respiram pra dentro e às vezes tão profundamente que podemos ouvir o hálito da terra. Impossível ler e seguir, a gente tem que parar e ollhar pra dentro, inevitavelmente. acho que você não tem noção de como são um abalo em inúmeros momentos. O tremor chega segundos depois...e chega sempre.
ResponderExcluirabraços,
tania
Fouad, acho que você nunca passa batido e a sua criatividade não tem maré baixa, pelo menos que eu tenha visto. Você tá certo, acho que esse velho é o primeiro voyuer da história!
ResponderExcluirAbração.
Tânia, mea culpa! Mas, sério, as vezes, fico pensando nessa relação (ou antagonismo) entre pensamento e sensação, como se eu tivesse medo de salvaguardar o sentido sacrificando a beleza. E não é só na poesia. Enfim, medo de me tornar muito discursivo. Coisa da minha cabeça. O que você escreveu é muito bonito. Se eu alcanço sensibilidades como a sua, não devo estar no caminho errado. Obrigado.
ResponderExcluirAbraços.
passo pra deixar três abraços de maio.
ResponderExcluirinequívocos.
ó, tâmo tramando uma.
prepare-se.
o convite chegará à galope.
abração desse que te lê com alegria,
o roberto.
em pempo:
ResponderExcluira propósito de seu irmão, minha medida de tempo é am quilos.
fui a tal lugar há oito quilos atrás... algo assim... e por aí afora...
transmita-lhe um abraço meu.
r.
Excelente, meu caro Marcantonio... Cheio de imagens poéticas afinadas com uma narrativa gostosa de acompanhar! Puro talento!
ResponderExcluirAbraços!
Flor, muito obrigado pela visita. Achei muito legal a ênfase com que você demonstrou a sua predileção. Volte sempre.
ResponderExcluirAbraço.
Roberto, é muito bom quando você ilumina isso aqui com o seu bom humor, sua admirável presença de espírito e essa simpatia profunda.
ResponderExcluirSe você usa a balança para medir o tempo, eu me indisponho é com o espelho mesmo, sujeito de ofensiva franqueza.
Olha, já fiquei curioso.
Grande abraço.
Pablo, obrigado. É uma honra tê-lo como leitor e um prazer acompanhar o seu blog.
ResponderExcluirAbração.
Marcantonio
ResponderExcluirVou dar pitaco na conversa aí de cima... Quem me fala da passagem do tempo? Tenho três interlocutores: a balança( como o Roberto), o espelho(como você) e a cor da certidão de nascimento: sépia.:))
Lindíssimos poemas, amigo! Três flores-de-maio.
"Consumiram tempo igual ao que tenho consumido?"
Ai, o consumo do tempo... Tenho trauma: que tenho feito com o meu?
Um fortíssimo abraço.
Zélia, essa da certidão de nascimento é fora de série! A melhor forma de lidar com o tempo é, de fato, o bom humor, já que é impossível ignorá-lo. E atualmente a gente ainda tem essa sensação de que ele resolveu apressar o passo, coisa de deixar zonzo!
ResponderExcluirObrigado, querida, pela presença sempre agradável e iluminada.
Sim, fortíssimo abraço.
Marquinho, sentido versus beleza: esta preocupação é vã, eu diria, porque há algo mais que a vontade e intenções objetivas na poesia. Alguma coisa acontece fora dos planos, extrapola a intenção, e estão sempre salvos sentido e beleza, por alguma magia. Acho que a poesia é justamente o que nos escapa das mãos quando tentamos direcionar a idéia.
ResponderExcluirAbraços,
Tânia
Tânia, muito bom esse seu comentário. E essa sua definição final de poesia é muito bonita.
ResponderExcluirAbraços