Quando a conversa recaía sobre as relações humanas, ele costumava citar:
- É muito bom ser importante, mas é muito mais importante ser bom! – Sem declinar o autor da frase de efeito.
Era infalível que, dali a instantes, viesse com outra máxima:
- Não me importo com o que os outros pensam de mim, mas sim com o que penso dos outros.
Essa me soava individualista. Além disso, julgava eu que a segunda oração como que reafirmava o sentido da primeira. Eu objetava: ora, mas se é importante o que penso dos outros, daí decorre que o que os outros pensam de mim também é relevante; é uma mera inversão do papel de sujeito em objeto; quando olho o outro, sou sujeito, ele objeto; quando ele me olha se dá o contrário. Não seria melhor a conclusão “me importo com o que penso de mim”?
Que tolice a minha! Sempre tão apegado à definição dos termos e restrito ao meu orgulhoso formalismo filosófico. Pseudo-filosófico, para ser justo. Era simples a questão: o que o outro pensa de mim é importante para ele, não para mim. O sujeito de ambas as orações é o mesmo: eu. E nisso estava toda a diferença. A pessoa deve agir a partir das próprias convicções, e não motivar-se como um objeto que se adéqua ao que o outro predica. Era uma expressão de autonomia, confiança na própria capacidade de agir de modo autêntico e acima das convenções sociais.
Tudo bem. Mas ainda assim soava como um credo individualista.
Posteriormente pude constatar que para ele as duas citações estavam relacionadas por uma curiosa dialética, como se advogasse o seguinte:
- Ser importante é uma ilusão construída pelos outros a meu respeito. Como não me importo com o que pensam de mim, não me julgo importante. Mas, como julgo que o importante é ser bom, então, ao ser bom só me importo com o que penso a respeito dos outros.
Era uma estranha conversão de um suposto individualismo em sentimento altruísta! De deixar órfãs as minhas vaidosas noções livrescas. Se ele tivesse uma maior destreza com as palavras (que, no fundo, é menor do que a destreza de viver), talvez se expressasse assim: só atinjo a total sensação de ser eu mesmo quando vejo no outro um ser igual a mim, não um juiz, e nem mesmo um objeto do meu julgamento.
Pelo que acompanhei da sua vida, posso afirmar que a citação daquelas frases não visava disfarçar qualquer possível ressentimento contra o seu destino de homem comum e “desimportante”. Viveu a vida metendo-se nela dos pés à cabeça, jamais desnaturalizou a vida como pré ou pós-vida. E morreu sendo bom, o que era importante.
Homenagem mais bonita que vi até agora.
ResponderExcluir=)
Beijos.
Excelente texto, meu caro!
ResponderExcluirAbraços,
Lou
Muito interessante, Marcantonio!
ResponderExcluirAcostumada que estou com seus versos superlativos, venho agora conhecê-lo no campo da crônica e fico feliz, feliz, ao ver que os dois pratos da balança se nivelam: ambos, bem lá no alto!
Grande abraço, amigo!
"Só atinjo a total sensação de ser eu mesmo quando vejo no outro um ser igual a mim, não um juiz, e nem mesmo um objeto do meu julgamento". É o que destaco e com o que concordo, plenamente...
ResponderExcluirMarcantonio, na crônica você também é enigmático, e eu gosto, tanto quanto nos versos...
Abraços,
Tânia
Marco, que maravilha essa crônica da dialética curiosa, do homem bom e desimportante, que morreu sendo grande!
ResponderExcluirQue saibamos nos meter assim na vida, dos pés à cabeça.
sobre o "orgulhoso formalismo filosófico"...bom, deixo-te um sorriso
um beijo
Ô Lara, obrigado. É a homenagem da atitude diante da vida e dos outros.
ResponderExcluirBeijo.
Lou, obrigado pela presença aqui.
ResponderExcluirAbraços.
Zélia, realmente, obrigado. Sempre feliz de ver a sua passagem por aqui.
ResponderExcluirGrande abraço!
Tânia, não seria esse aspecto enigmático uma certa incapacidade de deixar o texto fluir antes que a idéia pareça traduzida? Eu acho que há sempre alguma coisa meio emperrada nos textos que escrevo em prosa.
ResponderExcluirO trecho que você destacou, realmente é a idéia fundamental que eu queria transmitir. Utópico, talvez. Essas frases costumavam ser citadas pelo meu pai.
Abraços.
Andrea, obrigado. Sobre o formalismo filosófico... Rs.
ResponderExcluirBeijo.