Como ter a disponibilidade criativa e lúdica de um anônimo construtor de castelos de cartas que se submete apenas às injunções do próprio medo (sagrado medo!) de que eles desabem diante dos seus próprios olhos?

domingo, 27 de junho de 2010

Entre Sítios e mais Dois Poemas



ENTRE SÍTIOS (6)

(Para Jorge Pimenta e seu
Viagens de Luz e Sombras)


O fogo já fora ateado
Na árvore do dia.
Não haveria mais
A sua neutra sombra.

Apenas assombro.


INTERDITADO

Olha,
a sorte ressuscita,
a desdita,
ao que parece,
também fenece;
e de se contrapor
à dor
esquece-se a prece,
agora abreviada
em verso belo,
monóstico,
osmótico
à vida paralelo.

Deixe estar.
Neste ponto banal (.)
(½ trema caído)
a rima extrema,
final.
Tornemo-nos mais abstratos
em abstrata arritmia
(aqui a tentação da rima ‘poesia’).
Sai pra lá, velha rima
que à vida não arrima!
Ai deus! De novo
esse ovo (oh!) de serpente
em omelete!
Não!
Aqui o pássaro se arremete
(porra! sai rima
tu mesma que já rimaste
mais acima; tu mesma,
a própria rima metalingüística
em provação artística).

Isso não tem fim!
Chega!
Pelo esforço
a rima aqui jazerá
sob o branco do papel.

Mas, voltemos ao pássaro
que se arremete ao céu
(não! não! não!).

Onde está a merda do pássaro
que se arremetia ao...? Ah!
- Te peguei!
Deixei de rimar!
(Ora, mas isso ainda rima com ‘ah!’)

É um caso perdido!
Retorno ao pássaro arremetido
para fecundar a metáfora
que o avião desdenha,
e falar in abstracto
das horas sem seus suportes:
o Agora, o Aqui e os Fatos.
Parece que não consegui
dizê-lo de modo não rimado.
Danem-se o dito e a desdita,
a rima
e o verso interditado!


RECEIO

O que farei ao perceber
Que minha canção resvala
E tece sem ardor?

Que o cérebro redundante
Já se iguala
A um rebocador?

Se o coração se fizer mediano
E se equalizar
Em linha de equador?

















Monotipia s/ título - Marcantonio

Outras imagens minhas em Cadernos de Arte

26 comentários:

  1. Jorge Pimenta escreve bem e seu blog é uma delícia de se ler.
    E, muito maior e melhor que isto dito, é o cara Jorge Pimenta.
    Um amigo carinhoso, preocupado e atento. E com quem sei que posso contar no frio e no calor.
    Profissionalmente, trata-se de um professor com P maiúsculo, daqueles raros.

    Tivesse eu tido um professor como Jorge pimenta teria sido, tenho absoluta certeza, muito "perigoso", pra mim e pro mundo...rs

    Ele é o mestre-mentor que queria para minha filhas.
    Alegraria-me, de imenso, vê-las plantando - sob os olhares dele - poesia da pura, em jardins do bem-querer.

    Estou voltando, marcantônio.
    devagarinho, mas tô.

    e já chego abraçando vocês dois.

    r.

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  2. Marco, ufa!! Já não te disse? tem que ser um por vez, senão é overdose...rs

    Belíssima homenagem ao Jorge, que tem essa singular habilidade com as palavras, e cria versos e metáforas de uma profundidade que, como bem disses, é assombro. Ele sempre me tira o ar.

    Ah, coração mediano, não! Canção sem ardor? Desiste. Sem chance pra ti...rs

    Interditado é um "arraso", de verdade! Eu adorei a irreverência. E parece que ele foi escrito assim, numa hemorragia de palavras.

    Gostei muito dessa ponte sobre o redemoinho azul...fundo sem fundo. (aliás, imagem perfeita para o que te escrevi lá no Mínimo Ajuste há minutos...até parece que eu estava olhando para ela)

    um beijo, moço poeta!

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  3. O poema ao Jorge é fatal, nossa!

    Muito boa a ode (ou não) à rima. =)

    E digo, resvala muito, como linha que mostra batimentos cardíacos do coração de quem corre com poesia pulsando nas veias.

    Grande abraço.

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  4. inTERditado é...

    inVERno não rima
    com a prima VERA

    Abraço-tchê!

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  5. Marcantonio, essas homenagens, já estão, de fato, fazendo parte aqui do DE, e são uma forma de a gente conhecer um pouco mais do homenageado.

    Fico cá, contudo, arrebatada pelo Interditado: maravilha:

    Deixe estar.
    Neste ponto banal (.)
    (½ trema caído)
    a rima extrema,
    final.

    Maravilha!
    Abraços,
    Tânia

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  6. Se tem um lugar em que o cérebro não é reduntante, é aqui :) Impressiona-me o seu talento e a sua produtividade.

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  7. Caro Marcantônio,
    Gostei muito de chegar aqui, conhecer seu Diário Extrovertido. Para parafrasear a Andrea Godoy, boa "overdose" de poemas.
    A começar pela bela imagem no poema que consome a árvore, a sombra e deixa o assombro.
    Depois vem a tentativa da interdição da rima. Uma "briga" divertida e bem entoada.
    Mas, por fim, não tenha receio de ter o coração equalizado em "flat" com a linha do equador... não com estes poemas.
    Sigo lendo e já sou seguidor.
    Grande abraço.

    Ivan Bueno
    blog: Empirismo Vernacular
    www.eng-ivanbueno.blogspot.com

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  8. ações tentativas
    tentadas por similitudes fonéticas
    grafadas à mouses encardidos.

    poemas criadores.

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  9. Marcão,

    esse omelete de ovo de serpente me lembrou um verso do Manoel de Barros: "Ovo de lobisomem não tem gema", mas isso não tem nada a ver com o poema e a trema e a Jurema.

    Tá saindo muita coisa boa do seu entre sítios meu velho! Jorge merece!

    (comentei com o Ryan que também achei muito massa a análise classista dos porcos...rs)

    Abração!

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  10. Roberto, muito bonito esse seu depoimento sobre o Jorge. Realmente, o que ele escreve no próprio blog e nos comentários em outros, é muito bom. Revira os conteúdos. E o cara parece ser sim um ser humano especial. A gente não fica por aí distribuindo carinho e atenção apenas pra fazer pose, né?

    Ainda bem que você está voltando (com mais força)!

    Abração!

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  11. Andrea, estou ficando perdulário? Rs. Tenho que aproveitar antes que o cérebro se torne um rebocador! Na verdade, não houve interdição ao INTERDITADO, quase não o retoquei. Eu devo estar de bem com as palavras...

    Obrigado, querida.

    Beijo.

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  12. Lara, comentário bonito esse sobre os batimentos cardíacos! Olhe, fui lá no Novidades e Velharias ler a análise sobre o seu conto. Muito bom!

    Beijo.

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  13. Tonho, palavra estranha essa "interditado", não é? Parece entre ditado.

    Abração!

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  14. Tânia, a intenção do Entre Sítios é essa.

    Poxa, você tem uma perspicácia para destacar as partes de que mais gosto nos poemas! "1/2 trema caído", de onde tirei isso? Pior que o trema caiu mesmo, rs.

    Abraços, Tânia.

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  15. Bípede, obrigado. Agora, meio constrangido, nem sei o que dizer. Qualquer dia vou postar aqui um texto do Nietzsche em que ele fala dessa tal produtividade.

    Abraço.

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  16. Ivan, é bom vê-lo por aqui. Achei esse seu comentário muito elegante e expressivo, independentemente de se referir aos meus poemas. Acho o nome do seu blog muito inspirador, como de resto o próprio conteúdo dele, claro. Já o estou seguindo também.

    Abração!

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  17. ryan, obrigado. Cara, o seu blog é f(ogo)/(oda)!

    Abraço.

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  18. Fouad, eu não consigo responder a um comentário seu sem ficar rindo. Isso quer dizer que levo você muito a sério. Sério. Embora ache que você não vá gostar disso.

    E não é, rapaz? A tirada do ryan foi muito boa!

    Abração!

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  19. caro amigo,
    acabo de chegar e de tropeçar nas tuas palavras (pensei que isso já me não acontecesse... e, sobretudo, que tivesse tanta dificuldade em me equilibrar sobre estas pondras verbais). a verdade é que tu, arquitecto do ser e da escrita, sabes radiografar aquilo que vês com os olhos do coração e tocas com os dedos da inteligência crítica. é isso que torna este teu/nosso "diário extrovertido" tão estimulante e de paragem obrigatória; simultaneamente, e ao teres dedicado o "entre sítios 6" a mim mesmo tornaste-me diariamente introvertido :). ruborizei, admito, por sentir o carinho não só teu, como de todos os que já fazem parte de uma cadeia cujos elos não são de aço temperado, mas de pele e arrepio destemperados. o roberto, a lara, a andrea, a laura, a andy, o fouad, o juan, a sylvia, a zélia, eu e tantos outros vêm aqui regularmente v(iv)er o nascer do sol sobre as mãos e reencontrar as mais inquietantes perguntas sobre si que os ajudam a ser esboço de resposta de qualquer coisa que ainda não sabem bem qual... mas que existe... mas que está aí... desde logo, neste círculo nada fechado e cada vez mais amplo.
    no que a mim diz respeito, um muito obrigado e as mais sinceras honrarias por me admitirem bem lá no seu interior.
    quanto ao texto... dizer-te que entre as labaredas do dia espreitam sempre silhuetas e sombras... umas sorrindo, outras agonizando, mas entre umas e outras a certeza de que nenhumas neutras ou inócuas... porque ainda acredito no homem e no que de melhor ele pode/consegue ser. este será de todos o maior (des)assombro!
    um abraço sentido, marcantónio!

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  20. Como é bom chegar em um lugar estranho, mas se sentir em casa. Estou adorando a leitura por aqui. Já recuei muitas postagens do blog! Parabéns!

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  21. O Jorge divaga em águas atlanticas a sua alma d'além mar, e de assombros ficamos a cismar. Sobre teus poemas faço uso de Octavio Paz:

    "Não, não tenho nada a dizer; ninguém tem nada a dizer, nada nem ninguém exceto o sangue, nada senão este ir e vir do sangue, este escrever sobre o já escrito e repetir a mesma palavra na metade do poema, sílabas de tempo, letras rotas, gotas de tinta, sangue que vai e vem e não diz nada e me leva consigo."

    abração

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  22. Diante ao espanto
    Rimei você
    Com tanto...

    Aquele abraço, poetasso!

    * Merecida homenagem...
    A grandeza dos versos, faz juz a nobreza do poeta.

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  23. Jorge, foi justamente o que quis dizer: na sua escrita não há neutralidade, mas uma afluência contínua de ricas imagens que transmitem esse assombro de profundo sentir. Também está lá essa crença no homem a que você se referiu, visível ainda nos ricos e atenciosos comentários que você
    distribui pelos blogs.
    Há também aqui a homenagem a esse instrumento que possibilita cruzar de imediato o Atlântico para empreender leituras tão profícuas como as que faço no seu e em outros blogs de lá.

    Grande abraço, poeta!

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  24. Fred, obrigado e seja bem-vindo. Já já estarei também aprofundando leituras no seu Sábados de Caju.

    Abraço.

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  25. Ô Assis, obrigado. Grande Octávio Paz!

    Abração!

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  26. Cris, obrigado! Sem dúvida que a homenagem é merecida, espero que esteja de fato à altura.

    Ah, e obrigado pela sua rima!

    me deu vontade
    de rimar você
    com generosidade.

    Abraços.

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