Como ter a disponibilidade criativa e lúdica de um anônimo construtor de castelos de cartas que se submete apenas às injunções do próprio medo (sagrado medo!) de que eles desabem diante dos seus próprios olhos?

sábado, 19 de junho de 2010

Poemas de Meados de Junho



ENTRE SÍTIOS (4)

(Para Tânia Contreiras e seu Roxo-violeta)

Consta
que as violetas
e seus roxos
requerem pouca água.
É que a sua sede se faz
De imaginários matizes
E terrosos aromas.
Nesse pêndulo,
Suas raízes.


FEITO PEDRA

Perdi o costume de ser outro
Tal como poderia me dispor o dia,
Esse levante orgânico,
Essa explosão de portos,
Esse mercado assaltado por tantos dialetos.

Não serei outro após a meia noite.

Como me confinei no exercício
Desta angústia venosa retornada ao meu peito
Vinda dos meus pés chumbados
Sob a soleira de uma única porta?

Como despetalei o calendário
Deixando a inevitabilidade dessa única pétala
Metálica que vibra como paleta de oboé
Emitindo a mesma nota de gélido sopro?

Como fui constituir-me
Em outdoor de rua sem saída?

Perdi a capacidade de me contradizer
Em arquipélagos
Para me inteirar em continente
Dessas (anti)ilhas costuradas.

As canções curtas já não me embalam
Pois todas as palavras vazam
Por aquele filtro suspenso sobre as horas.

Se me tornei pedra, perdi a memória da górgona
Que mirei
No dia em que as notícias passaram a se acumular
Em monturos no meu quintal.


A PARTE E O TODO

O horizonte amoroso
Num fio de cabelo castanho
Em contraluz.

Teu corpo-teleférico
Atravessando essa linha
Entre as minhas mãos.


PALAVRA-LUZ

Na cópula com a escuridão
Injeto-lhe meu sêmen de fótons,
Semiótico

E espero
O renascimento da luz
Para dar-lhe outro nome.
















Joseph M.William Turner - Aurora no Castelo de Norhan - 1840

22 comentários:

  1. Marquinho, obrigada pelo poema a mim dedicado. Adoro as violetas, que, sim, necessitam de pouca água (como eu, que tenho outras sedes, mas não de água, que bebo pouco). Assim, sem que você certamente o soubesse, descrevu a mim com uma perfeição que eu reconheço,onde me vejo:

    É que a sua sede se faz
    De imaginários matizes
    E terrosos aromas.

    Eis minha sede.

    E a Palavra-luz...nossa, maravilhosa, amei:


    Na cópula com a escuridão
    Injeto-lhe meu sêmen de fótons,
    Semiótico

    E espero
    O renascimento da luz
    Para dar-lhe outro nome

    Ler você, Marcantonio, é um alimento!
    Abraços,
    Tânia

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  2. poemas de meados de junho, entremeados de homenagem - a Tania e seu roxo-violeta são especiais - e doses de renascimento, luz vária sobre a imensidão das palavras,

    abração

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  3. achei lindo esse poema para a Tânia, pareceu-me muito com ela.
    palavra-luz, diz por si só o que é.

    mas, Marco, Feito Pedra é Perfeito! precisei lê-lo umas quantas vezes, porque(como não raro me acontece)fui perdendo-me para dentro dos versos e demorei para encontrá-lo inteiro. Ficam ainda fazendo eco na minha cabeça, a explosão de portos, o outdoor de rua sem saída, as (anti)ilhas costuradas...
    gosto desse teu jeito, de querer se virar pelo avesso para poder se enxergar melhor.

    um beijo pra ti

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  4. Tânia, eu apenas traduzi as impressões que os seus textos, comentários e o seu belo Roxo-violeta me passam. Não tenho dúvida de que há sinceridade em todos esses sinais.
    E fico muito satisfeito que o recesso tenha terminado para que possamos voltar a lê-la em seu próprio espaço.

    Abraços.

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  5. Assis, sem dúvida que são especiais, como o seu "Mil e um poemas" também é. Fundamental o elogio das nossas afinidades. É algo como reforçar a própria confiança, não é?

    Abração!

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  6. Andrea, segundo vejo, há poemas que "descem a ladeira" cada vez que os leio, vão parecendo piores. Refiro-me aos meus, claro. Mas esse Feito Pedra é daqueles que a cada leitura vão "melhorando". Rs.

    Obrigado, querida.

    Beijo.

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  7. A homenagem é muito bonita e singela. O segundo poema, eu gostaria de ter escrito, então, só assino embaixo a minha admiração.

    Beijos.

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  8. Marcantonio
    Três maravilhas! Assim é que se faz um lindo mês de junho...
    "Como fui constituir-me
    Em outdoor de rua sem saída?"
    De forma encantadora escreveste aquilo que, de maneira simploria, vivo a me perguntar , no meu silêncio...
    Bravíssimo!!!
    Grande abraço

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  9. Belos poemas, Marcantonio.
    O mau poeta presumido não combina com você.
    Agora que descobri o caminho do Diário, voltarei mais vezes.
    Há braços.

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  10. entre sítios, algures pelas homenagens ou a parte-luz e o todo-palavra. assim constróis pequenas pérolas, enquanto ao lado, o porto que abriga as redes, nos explode diante dos olhos. arrepiante, em alguns momentos, marcantónio.
    um abraço!

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  11. Lara, obrigado. Essa coisa de "gostaria de ter escrito isso" é algo que penso com frequência andando por aí; aliás, é uma das motivações desses Entre Sítios que tenho feito, admiração e afinidade.

    Também com admiração,

    Beijos.

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  12. Zélia, creio que "simplória" é adjetivo que não pode ser jamais aplicado a você.

    Obrigado, querida.

    Grande abraço.

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  13. Paulo Jorge, rapaz, é um prazer vê-lo aqui. Obrigado por suas palavras. Saiba que digo o mesmo sobre o seu blog, por lá há textos deliciosos de ler. Vãs palavras vãs? Que nada!

    Abração!

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  14. Ô Jorge, obrigado. Cá para mim sei que esse "arrepiante" não é qualquer elogio.

    Grande abraço.

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  15. violetas de pedra lapidam signos escuros.

    sua poética é terreno d solo fertil.

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  16. ryan, obrigado. Bonito esse verso.

    Grande abraço.

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  17. Pára!!!!
    Vai devagar que meu coração não dá conta!

    Ainda estou embrulhada nesses versos:

    "Perdi a capacidade de me contradizer
    Em arquipélagos
    Para me inteirar em continente
    Dessas (anti)ilhas costuradas."

    Tenho que me reeditar, me recompor, me contradizer, para continuar.

    Demais!

    bjs
    Rossana

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  18. Marcantonio, desde que começei a ler Sophia de Mello Andresen, ando hipnotizada pela ideia de geografia humana, do percurso e do mapeamento que cada um faz com suas palavras. Cada vez que venho te ler, os cruzamentos giram e as estradas se modificam, como em um satélite guardião de nuances e planetas. Para mim, você é um escritor maduro, talentosíssimo e de dono de uma escrita que, além de tudo, esbanja charme.

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  19. Ô Rossana, o seu comentário me deixou impressionado. Considerar por mim mesmo esse poema como algo bom que eu tenha feito nem de longe se compara à possibilidade de obter esse retorno na forma como você o expressou. Poxa, obrigado!

    Beijo.

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  20. Esse mês de junho tá lindo hein Marco! Vou ter que concordar com a Lara - eu também gostaria de ter escrito o segundo poema, só faço me calar diante da abundância de imagens e palavras tão belas. Sua intensidade é letra e música na minha cabeça - taí outra forma de arte em que a grandeza sutil do seu pensamento se expressa. Também confesso que nutri uma simpatia especial pelas suas violetas, apesar do meu caso eterno de amor ser com os girassóis.

    Beijo grande grande!

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