Como ter a disponibilidade criativa e lúdica de um anônimo construtor de castelos de cartas que se submete apenas às injunções do próprio medo (sagrado medo!) de que eles desabem diante dos seus próprios olhos?

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Dois Poemas



ELA OU ELA MESMA

Ela não é
exatamente assim
como a descrevo,
posto que à sua discrição
circunscrevo-me.

E eu, que apenas sou,
oitenta vezes oito,
carne, 
na insaciedade
deste desejo afoito,
hei de deixá-la se entranhar,
sem pressa, lenta,
na paisagem verídica
que a escrita inventa.


POUCO OU NADA

A dor não era a própria Dor.
Então, inconsistente era o riso.
Aquilo que o tempo transmudou
Na origem já não era preciso?

O caminho não fora franqueado,
No porto não pudera apear.
O vôo cintilante das gaivotas
Fazia todo o céu oscilar.

O rastro numérico das coisas
Que ganho deixara ou deixará?
Somaram-se as asas erradias
Das aves que não podem voar.

De tudo que fora necessário,
Pouco, quase nada consistiu:
Um presságio extraordinário
Que senti... Consenti. Quem sentiu?

















Monotipia s/ título - Marcantonio

9 comentários:

  1. Marquinho, visualizo uma paisagem de letras no auge de seu explendor, pronta para acolher a presença tão desejada. Vejo ternura mansa aquiescendo diante da impositiva locura selvagem. Vejo encontros possíveis. Ah...rsrs..viajei total nos versos!

    Adorei!

    Beijos,
    Tânia

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  2. Marquinho, meus olhos ficam embriagados de poesia, adoro seus textos: "Somaram-se as asas erradias Das aves que não podem voar". Olha só isso: maravilhoso, vi-me por aqui.

    Parabéns e que os deuses continuem a abençoar seu talento.

    Brijos,
    Tânia

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  3. Tânia, se você viajou, então o poema deve ter sido encontrado. Que seja a poesia essa desinteressada agência de viagens abstratas! E você ainda citou os versos de que mais gosto no segundo poema. Obrigado por suas palavras sempre carinhosas comigo.

    Um beijo.

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  4. nos fotogramas o negativo e o positivo se embaçam, quem se olha ao espelho ou o espelho é que se olha. abraço

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  5. Assis, é um comentário-poema!

    Obrigado.

    Abraço.

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  6. Poemas dignos de um grande artista. Uma cadência peculiar e uma singeleza em versos que podem revelar um mundo de significados poéticos.

    Minha admiração!

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  7. Pablo, seja bem-vindo. Rapaz, muito obrigado!
    Tenha certeza que a admiração é mútua.

    Abraços.

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  8. Ninguém é exatamente como descrevemos, penso. E me recordo de Anaïs Nin dizendo "não vejo as coisas como elas são, mas como NÓS somos". É bom que aconteça sempre um pouco da beleza e da humanidade dos nossos olhos na nossa expressão do outro.

    Lindos poemas! =*

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  9. Sem dúvida, Kenia, e nem nós mesmos somos exatamente como nos descrevemos. Anaïs Nin disse algo muito significativo.

    Beijo.

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